Silver Crown

INDIANÁPOLIS | O término das atividades no Indianapolis Motor Speedway quando a noite se fazia presente apenas no horário, lá pelas 19h30, não significou o fim da prática do automobilismo na cidade. A cerca de 5 km do autódromo, num complexo que abriga a Toyota e o time de hóquei local, o Indiana Ice, há um circuito oval de uma milha coberto por terra batida batizado de Indiana State Fairgrounds. Palco da segunda etapa da Silver Crown.

A ‘Coroa de Prata’ é uma das categorias sob chancela da USAC, United States Auto Club. Tem caráter amador, baseia-se em carros-gaiolas com potência entre 750 e 800 cavalos, que usam os propalados pneus Hoosier, e conta com equipes pertencentes a pilotos renomados, como Tony Stewart.

Feita a apresentação, sigamos.

O ingresso para assistir ao espetáculo custa US$ 30. Adquirido o tíquete da seção 6, fila 15, desobedeci à solicitação para sentar no banco de encosto curvilíneo número 10 e preferi o 14. A arquibancada é coberta e lembra a de turfe. Até porque ocorrem corridas de cavalos naquele local. As cercas de proteção e nada são a mesma coisa. O público é eclético: observa-se senhores de idade, moças e rapazes, meninas e meninos, parentes de pilotos e gente que está ali por estar.

Estava marcado para começar às 20h, e já que grande parte de Indy termina pontualmente às 21h, o atraso de quase 25 minutos era inexplicável, quase um acinte. O locutor, que ficava do lado de dentro do oval de terra, deu início aos procedimentos de apresentação, piloto a piloto, na regressiva do grid de largada, e os aplausos davam o ritmo da coisa. O pole era o rapaz do carro 20 amarelo.

Já que é Indy, o Luciano do Valle local seguiu o roteiro e chamou a senhora ao lado para cantar a espécie de Hino da Bandeira americano. Logo o público tratou de levantar-se, quase no embalo de uma ola, e os mais idosos que estavam de boné levaram a proteção ao peito em sinal de respeito. A voz firme e aguda garantiu mais palmas, todos se sentaram, e o locutor, em tom bem abaixo do que vinha falando, lembrou a morte de Larry Rice, bicampeão da tal Silver Crown, na última quarta. Apareceu um rapaz de posse de uma corneta, e lá ia a marcha fúnebre baixar a cabeça de muitos.

A corrida em si só teve início às 20h35, com o sol caprichosamente se pondo à esquerda da arquibancada. Dada a ordem de ligar os motores, os mecânicos e funcionários puseram-se a empurrar aquelas gaiolas. É, pegava no tranco, mesmo. Os pilotos que não saíam do lugar eram auxiliados por um carro que mais parecia uma escavadeira. Só que no lugar da grande pá havia uma peça retangular de madeira, que encostava e fazia aquele precário veículo de competição competir.

Não havia linha de chegada. Sabia-se que ela existia porque o diretor de prova tinha de ficar em algum espaço para comandar a festa automobilística. Era bem próximo à arquibancada. Do outro lado, na plataforma onde o locutor, a cantora e o corneteiro estavam havia uma mesa com cinco cadeiras, das quais as três da direita estavam ocupadas. Um perfeito júri para um show de calouros amadores. Repentinamente, o diretor de prova pega duas bandeiras quadriculadas e as cruza. Pensei que era o fim, e todos finalmente iriam para casa. Aí veio a verde. Esquisito.

O carro amarelo 20 manteve a ponta, tendo o 27 atrás. E aquele monte de gaiola de loucos começou a levantar poeira literalmente. Não demorou duas voltas para que surgisse a primeira panca, na saída da curva 1. Um rodou, o segundo veio por trás, o terceiro não desviou e capotou. A torcida era a expressão máxima do delírio. A bandeira vermelha apareceu, carros de resgate à la Indy entraram, e os da competição pararam na reta principal. O diretor acionou a bandeira branca, pensei que era o fim, e todos finalmente iriam para casa. O locutor avisou que os mecânicos poderiam entrar, quantos quisessem, e que podiam fazer o que bem entendessem. 

O pior não aconteceu no acidente, ótimo; nenhum mecânico fez nada a não ser ajudar no novo tranco dos carros, e a corrida recomeçava. Quando o carro amarelo 20 completou dez voltas, ao lado do júri de mesa de madeira apareceu uma loira com uma placa. Claro, aplausos vieram, e ela erguia “10 Laps” como as moças gostosas das lutas-livres fazem entre um rounde e outro.

Não havia um telão nem nada que indicasse quem pilotava o carro amarelo 20. Resolvi que era o Scott Pruett. O 27 azul e vermelho passou a ser o Jacques Villeneuve. Villeneuve entrava na reta principal, ameaçava, mas Pruett não esmorecia e contornava bem a 1. Enquanto isso a poeira aumentava e passava a nos dar contornos mais escuros, como, finalmente, a noite.

O excesso de paralisações foi tirando o caráter interessante e novo e dando ares de algo maçante. Era o Pruett precedendo o Villeneuve, com o 56, o Enéas, em terceiro. E não saía daquilo.

Aqueles carros correm, não se pode negar. Dizem alguns até que, em certa época, correram nos mesmos circuitos utilizados pela Nascar e foram até 4 segundos mais rápidos. A Nascar, então, proibiu a Silver Crown em suas pistas. E a relegada Silver Crown não se trata de uma categoria de esquina: o campeão chega a faturar US$ 1 milhão. Só que fazem aquela terra subir demais. O público mal conseguia abrir o olho. Ficou como o menino da caixa dos chocolates Pan.

Só a partir da volta 80 que a prova reempolgou. Também porque só faltavam 20 para o fim. E o 20 do Pruett lá, nem dando chances para o 27-Villeneuve. Que tentava, coitado. E de tanto tentar e nada fazer, tomou o castigo: última volta, pneu furado e bandeira amarela.

Aos que estavam cansados, também foi um castigo: por as regras, claríssimas, determinarem que não se pode terminar em bandeira amarela, mais duas voltas foram acrescentadas. O Enéas nem foi páreo ao Pruett, que cruzou a linha de chegada que não existe na frente. Comemorou como nunca, o Pruett, até porque nunca mesmo havia comemorado daquela forma. Era sua primeira vitória.

Logo a loira da placa deixou sua placa de lado e lhe trouxe rapidamente o troféu. Os aplausos retornaram à cena, e o locutor invadiu a pista para entrevistar Pruett. Então surgiu um rapaz com um boné e deu ao piloto, que o colocou rapidamente e tirou. O patrocinador precisava aparecer, ainda que aquele evento mal tivesse transmissão pela TV. Coisas do negócio.

O público foi se dispersando e comentando a corrida. Muitos em tom de pesar. Desnecessário. Amanhã tem mais. A etapa que eles consideram a preliminar das 500 Milhas.

Comentários

  • Oi Victor (Não o Corrêa, o Martins mesmo),
    Infelizmente é tarde, só agora li o seu texto, pois eu tenho uma dica para te dar. Além da tradicional corrida da Coroa de Prata, na semana de Indy 500 tem uma corrida em Indianapolis, também a uns 5 km de IMS, de uma categoria que se chama Super 8. É um barato. É uma corrida em saibro, em pista marcada em formato de oito mesmo, os carros se cruzam. No bom sentido, se é que existe. Tem batida o tempo todo – mas não é proposital, não é demolição, é competência – ounão – e quem sobrevive é o vencedor. Tavez seja no mesmo ‘autódromo’ que você foi. Eu estive lá por três vezes -nunca paguei, jornalista não paga – e virei celebridade estrangeira, sai no jornal do circuito e ganhei a carteirinha de sócio honorário. Coisa de american life. Aproveite bem, Indy é outro mundo, como le mans e Mônaco. 1abração, OTAZÚ

  • sensacional seu texto victor. aliás, todos sobre a indy 500 tem sindo leitura obrigatória pra mim esse dias. que a qualidade se mantenha assim depois da prova.