Sobre ética e marketing

SÃO PAULO | O sr. Lars Osterlind, a quem desde já reputo todo meu respeito e admiração por seu trabalho de investigação, foi indicado pela própria FIA para minuciar toda a epopeia antagonizada pela Ferrari que o mundo viu naquele 25 de julho na Alemanha. O sr. Osterlind entregou um relatório nas mãos dos indigníssimos representantes do Conselho Mundial em que evidenciava o jogo de equipe para permitir que Alonso vencesse em detrimento de Massa, contrariando a defesa dos italianos de que nenhuma mensagem determinando a troca foi passada aos pilotos.

Como a inteligência de Osterlind não faz parte de um novo brinquedo do Playcenter ou do parque mais próximo aí de sua cidade, ali naquele documento ele concluiu que alguns elementos codificados, expressos em seu ápice no “Fernando is faster than you”, eram a deixa para que a Ferrari executasse seu plano. A Ferrari rebateu dizendo que só fez aquilo para que o brasileiro fosse motivado e que a decisão de deixar passar partiu do mesmo.

Osterlind foi além e derrubou esta piadinha de gosto duvidoso, eufemismo para hipocrisia, da Ferrari revelando que o time havia pedido para seus pilotos baixarem as rotações do motor, como costumeiramente faz nas partes finais das corridas. Alonso acatou e depois, à revelia de Massa, aumentou os giros. Fernando passou a ser mais rápido que Massa, pois.

Assim, Osterlind, munido de uma postura ética, pediu que a Ferrari fosse punida, perdendo seus pontos na corrida, bem como a vitória fosse devolvida a Massa numa aplicação simples de 5 segundos ao tempo final de prova de Alonso, suficiente para que a inversão de posições acontecesse. À sua indicação, Osterlind anexou a declaração pessoal de que “o automobilismo deve ser imprevisível” e que “parte do elemento de competição é dar tratamento igual a todos os competidores”.

Pois a FIA chegou à mesma conclusão que Osterlind, textual e oficialmente, hoje, no rescaldo detalhado de suas ações em sua sede em Paris. Só não fez mais nada em relação à punição que havia sido dada pelos comissários da corrida, os tais US$ 100 mil. E prometeu rever a regra porque, talvez, esteja mal escrita, puxa vida.

Não posso conceber que um artigo de regulamento que diga que “ordens de equipe estão proibidas” esteja mal escrito. Mais claro que isso, só dois disso. Não posso conceber que, diante da admissão de que houve um jogo de equipe, que a punição seja quantificada em valor financeiro. US$ 100 mil é o que a Ferrari gasta com o chá da tarde na estação de esqui em Madonna di Campiglio no começo do ano. E também não posso conceber com este argumento geral de que é difícil fiscalizar quando há ordem de equipe ou não.

Ao que me parece e consta, estamos em 2010, um mundo dominado pela comunicação rápida, quase em ritmo de fast food. São câmeras em HD e supercâmeras para identificar sinalizações das mais exageradas e contidas em placas e gestos, captação de todas as conversas de rádio, telemetria avançada que pode mostrar alterações no ritmo de corrida de cada piloto e, principalmente, bom senso e inteligência. Em suma, quando se bem quer, entende-se que há um jogo de equipe e pronto.

Diante disso, vamos a uma análise. Qual a diferença do que foi feito pela Ferrari na Alemanha e o que aconteceu em Cingapura em 2008? Esqueça que o caso da Renault foi muito mais deplorável esportivamente. A questão envolve o plano e o resultado. A única diferença que há é que não houve uma troca de posições. A Renault contava com o fator de risco. Era basicamente uma aposta.

Porque nos dois casos houve uma armação e um jogo de equipe, que colocava o piloto 2 em prejuízo por causa do piloto 1 — a Renault precisou tirar o 2 da prova; a Ferrari, não —, com objetivos bem claros. A Ferrari queria manter seu piloto 1 na disputa pelo título e a Renault pretendia manter os patrocínios para o próximo ano. Coincidentemente (ou não), o piloto 1 é o mesmo nos dois casos. Hão de dizer alguns que no caso da Renault o destino da corrida foi modificado e tal. Dane-se. A questão está nos atos e não nas consequências.

Em 2002, a Ferrari saiu com uma multa de US$ 1 milhão no episódio de Barrichello e Schumacher na Áustria. Em 2009, ano do julgamento, houve toda uma história de delação premiada e banimento de Flavio Briatore e Pat Symonds, sendo que a Renault foi posta em observação por ter sido ré confessa. Em 2010, a Ferrari saiu com uma multa 90% mais barata que a de oito anos atrás sem que Stefano Domenicali fosse questionado ou ameaçado de punição. Difícil julgar na condição da hipótese, mas provavelmente uma presidência de Max Mosley na FIA nos tempos atuais traria um resultado muito mais moral, digamos assim. Com Jean Todt, arquiteto de resultados manipulados no comando, era de fato impossível cobrar uma posição mais firme.

Falei hoje com uma fonte que todos hão de saber quem na semana que vem. A declaração, para se compreender bem o que se passa numa reunião do Conselho, foi esta: “É um negócio tenso demais. É uma experiência e tanto estar naquele prédio (…). Eles ficam lá dentro falando, e aí todo mundo decide alguma coisa, eles vão lá fora e gritam para os jornalistas que foi tal coisa, soltam um ‘press release’ e ficam 500 mil pessoas gritando para saber o que aconteceu. Essas decisões da FIA são meio assim: vamos decidir todos juntos, somos uma família, não somos só a FIA, somos Ferrari e outras equipes, e vamos tomar uma decisão que não atrapalhe o esporte.”

O problema não recai simplesmente sobre quem tem ou não tem caráter e postura e se volta contra o sistema. É como o cara que joga lixo na rua ou que sai dirigindo um carro bêbado pondo em risco a vida dos outros. Enquanto não se pune um camarada destes, o erro persiste. Infelizmente o ser humano é assim: só aprende dando com a cara na parede. Aí ele vai aprender na marra a saber de valores. Coloquem alguém minimamente digno no comando, FIA e F1, que toda esta patacoada deprimente acaba. Os cordeirinhos vão obedecer depois que as sanções forem aplicadas.

Repito: considero incompreensível colocar um campeonato de Construtores mais valioso que o de Pilotos. Se assim for, que se coloquem robôs nos cockpits, e aí as disputas das marcas se tornam atração principal. Ou que os interesses da equipe valham mais que o do competidor. O jogo de equipe só é aceitável quando um de seus pilotos deixa de concorrer ao seu ideal — aí, então, que trabalhe pelo ideal do outro. Se quiserem mexer na regra, que coloquem este adendo. O resto vira perfumaria e se vira contra a própria F1.

Martin Whitmarsh, chefe da McLaren, disse essa semana que a F1 precisava trabalhar o marketing. Brilhante. Diante dos recentes ocorridos, Bernie Ecclestone deveria investir sua ampla fortuna num papa da propaganda para o bem de sua família.

Comentários

  • O campeonato de equipes sempre foi mais importante que o de pilotos. O de pilotos acaba sendo consequencia e é só uma fachada para os telespectadores. Ainda achei muito punirem com a multa.

    Não entendo essa revolta toda. Aconteceu como sempre foi na F1 e só porque foi com o Massa, o queridinho dos torcedores brasileiros, deu essa repercussão toda. E o Alonso acaba sendo a personificação de Lucifer, pois se envolveu nos dois episódios com brasileiros.

    F1 a muito tempo é e sempre será assim. Desonestidade, títulos manchados por polêmicas e política e dinheiro acima do esporte.

  • Um piloto de verdade, mesmo que seja amador como eu, quer sempre ganhar! Massa é o maior culpado nisso tudo. Vai demorar para ele ter minha consideração novamente.

    Perfeito comentário Victor! Se for do jeito que a Ferrari quer, que ela coloque robôs para guiar….

  • Alla Ferrari, la conversazione eri stata:
    – Ora ci aspettiamo per scaricare la polvere di farina e di ricorso la multa di $ 100,000.00. Noi non pagheremo nulla! Dopo che il rumore è una cazzata … Noi siamo Ferrari …
    – Poi si organizzerà un campionato di automobili solo rosso, con le cifre a cristalli liquidi in modo che si possa andare oltre la torre e scegli chi sarà il campione, tutti logicamente sostenuto dal nostro bicudinho Jean Todt. Sarà una festa annuale italiano e pasticci lotto e pizza.
    – Ma capo, che guarderà questa merda?
    – Vite, chi sarà o non sarà presente, siamo il capo! Le reti televisive di tutto il mondo ci chiede amen. Qualcuno ancora delle domande? Se vogliamo fare fino a quando Schumacher campione del mondo di nuovo! Su il nome del Schumi, bicudinho lo fa sembrare vecchio di amore che entrambi hanno visto sul piccolo schermo e qualche lacrima inizia a rotolare, quando qualcuno ha gridato:
    – In nessun modo, Jean, nessun senso! Dimenticate Schumi! Abbiamo bisogno di voi per la FIA, in modo che possiamo fare e accadere. Abbiamo avuto zaini e obbedire, è così che gira il mondo. Pochi zaini intelligenti e molti. Così abbiamo messo lì! Abbiamo immaginato il presidente della FIA Lauda? Piquet, Emmerson … Mamma mia …
    – Ma una domanda:
    – Se sei così intelligente così, perché l’ultimo campione del mondo l’Italia è stata Andretti a 32 anni fa? E per di Lotus!
    – Hmmm? Hmmm? Hmmm …! Vedi? Se sei un provato “glucagone” sulle piste, dobbiamo essere il meglio di loro. decisioni invertite. Il Briattore aveva notato tempo fa …

  • Na Ferrari, a conversa era:
    – Agora vamos esperar baixar o pó da farinha e recorrer da multa de $ 100.000,00. Não vamos pagar nada! Afinal nóis é fóda… Nóis é Ferrari…
    – Depois vamos organizar um campeonato só de carros vermelhos, com os números em LCD para podermos mudar lá da torre e escolher quem será o campeão, tudo isso logicamente endossado pelo nosso bicudinho Jean Todt. Será anualmente uma festa italiana com direito a muita pizza e pastelões.
    – Mas chefe, quem irá assistir essa merda?
    – Dane-se, quem vai ou não vai assistir, quem manda somos nós! As redes de TV do mundo todo nos pedem amém. Alguém ainda tem dúvidas? Se quisermos faremos até o Schumacher campeão do mundo novamente! Ao ouvir o nome de Schumi, bicudinho faz aquele velho olhar de apaixonado que tanto vimos na telinha e algumas lágrimas começam a rolar, quando alguém grita:
    – Nem pensar, Jean, nem pensar! Esquece o Schumi! Precisamos de você na FIA, para podermos fazer e acontecer. Nós mandamos e os trouxas obedecem, é assim que o mundo gira. Poucos espertos e muitos trouxas. Por isso o pusemos lá! Já imaginou o Lauda presidente da FIA? Piquet, Emmerson…Mamma mia…
    – Mas alguém pergunta:
    – Se somos tão espertos assim, por que o último campeão do mundo italiano foi Andretti à 32 anos atrás? E ainda por cima, de Lotus!
    – Hummm? Hummm? Hummm…! Tá vendo? Se comprovadamente somos uns “cagones” nas pistas, temos que ser os melhores fora delas. No tapetão. O Briattore já havia reparado isso faz muito tempo…

  • Lei é lei mas como tudo muda e agora até pessoas com um passado duvidoso e histórico criminoso se candidatam a presidência. Na realidade vivemos regidos apenas por duas leis imutáveis, a da gravidade e da relatividade moral.

    • Sr. Borges, parabens pelo poder de sintese. Três linhas. Ttudo que é necessártio dizer, já está dito. O resto são justificativas, racionalizações, concessões ao que é certo pelo q é conveniente.

  • Particularmente discordo muito do seu ponto de vista. Por princípio, acho sim que a consequência pesa e não só o ato. Muitas vezes um ato aparentemente ruim, tem motivos dignos, mais fortes que levam a conclusão de tal ato. Não que seja o caso…

    O caso da Renault foi sim, como vc definiu, uma “armação”. O da Ferrari se limitou a “jogo de equipe” pra uns e “ordem de equipe” pra outros. Código ou não, como provar juridicamente? E pq eles não poderiam realizar tal jogo de equipe?

    Não acho que tenham sido casos semelhantes – esse e o “Cingapuragate”. A Renault naquele caso, mudou o resultado de todas as equipes e seus pilotos naquela corrida e por consequencia no resultado final do campeonato; acabou por exemplo, com a corrida de outros pilotos que nem eram da mesma equipe, com a estratégia que cada equipe montou pra corrida…; a falcatrua da Renault foi muito além de um “jogo de equipe”, pq não envolveu só a equipe e, ainda se apoiaram em um piloto que estava com a cabeça a prêmio. Não dá nem pra comparar na realidade.

    O caso do GP da Alemanha por um outro lado, alterou as pretensões apenas da própria Ferrari. Não influiu em nenhum outro competidor, tampouco nos problemas das outras equipes. E apenas foi feio pq Massa não forçou uma saída de pista ou coisa parecida. É um caso muito mais semelhante com aquele em que o Hamilton demora mais no box, pra deixar o Alonso passar (AUS-07)… ou que o Button alivia as rotações do motor pra não atacar Hamilton, etc…

    Ao meu ver, os dois casos são extremamente diferentes, exceto pela consideração de uma vaga semelhança entre “jogo de equipe” e “ordem de equipe”.

    Nelsinho estava com a cabeça a prêmio e foi posto na parede. Massa não, bateu o pé duas vezes e fez o que fez de um modo imaturo, assim como Rubens – mesmo que naquela ocasião, nem Ferrari nem Schumacher, precisavam daquilo. Casos completamente diferentes. E se Massa é um jogador de equipe como ele mesmo faz questão de dizer, ele sabe que teria de ceder a posição, pois sabe não tem chance alguma nesse campeonato, a não ser que a sorte corresse muito do seu lado. E não foi o que houve o ano inteiro. E ele tambem sabe que 1 ponto faz muita diferença no fim do ano.

    Concordo que a multa deveria ter sido maior. Tambem acho interessante a idéia dos 5 segundos. Mas tambem penso, “por que, se Massa compactuou com a idéia?” Mas não concordo que a equipe fosse imposta a uma sanção mais séria como a perda de pontos, exclusão da corrida, do campeonato ou qualquer coisa assim. Não faz o menor sentido.

    E só pra fechar: se vc “considera irrepreensível que o campeonato de construtores seja mais importante do que o de pilotos”, é melhor vc trocar de esporte, pq a Formula 1 sempre se tratou de marcas como Ferrari, Maseratti, Mercedes, BMW, Renault, Cosworth,… São quem fazem os melhores carros, os melhores motores; são quem trazem as novas tecnologias; são quem investem. A diferença da F1 pra outras categorias se dá justamente às marcas top que estão aí. Não adianta fingir que não vê. Se a F1 tivesse carros iguais, não seria a mesma coisa. Nem Senna seria Senna. Todo ano vc vai ter pilotos tops de nomes diferentes, de nacionalidades diferentes.

    Os próprios pilotos tem sonho de correr em determinada scuderia! O ponto da sua indignação com esse caso, é justamente por vc acreditar fidedignamente que o campeonato de pilotos é mais importante que o de construtores. Não é.

    abraços!

    • Entre esse “campeonato de construtores de F1” e a Le Mans Series, a Le Mans é muito mais competitiva e interessante. Seria melhor colocar um carro por equipe, um tempo maior de prova e os dois pilotos com a obrigação de revezar o comando do carro na mesma prova, seria muito mais interessante e sincero do que essa coisa ridícula que não sabemos mais onde se encaixa no automobilismo.

    • Amigo, concordo com você em cada parágrafo (inclusive nos que expõe opiniões pessoais).

      Um adendo, se me permite.
      A Ferrari só não levou uma punição mais rigorosa porque no regulamento não diz nada sobre as punições para esse tipo de atitude, apenas diz que é proibido. Portanto, não cabe interpretações de ninguém quanto a isso, pois faltam dados para julgar o acontecido e estipular uma punição. Então depende do estado emocional de cada um para dizer o que gostaria de ser feito com a equipe do que uma questão de justiça desportiva.
      Se fosse o Victor a impor sanções, a Ferrari estaria perdida, coitada, porque sua “bússola moral” diz que isso é inconcebível, mas graças a atenção daqueles que se comprometem com o esporte e atenção ao regulamento foi visto que “por mais que o episódio tenha sido uma sacanagem”, para alguns, não existe mecanismo descrito para se dar uma punição maior ou menor em intensidade, então prudentemente mantém-se a punição dada “in loco” (como adoram escrever por aqui) e a proposta da revisão do artigo do regulamento. E é isso.
      Seria muito mais proveitoso abrir uma discussão daqui em diante de como que esse tipo de atitude pode ser prevista e regulamentada que ficar remoendo um episódio terminado.

      E outra, né, se o Massa deu a posição, o problema é mais de atitude desportiva como competidor por parte dele que de manipulação de resultado. Outros pilotos que são muito mais competitivos não deixariam isso acontecer, iriam tocar rodas ou bater, ficar putos um com o outro, mas ceder posição, jamais. Se ele não tivesse cedido a posição, ninguém iria fazer juízo nenhum, pois estaria fazendo o que os pilotos deveriam fazer, disputar posições na pista com qualquer outro piloto.
      O Massa deu azar de ter perdido a companhia dócil e tímida do Kimi, que meio que cagava para desenvolver o carro, para ter o Alonso ao seu lado com temperamento de Schumacher, que quer ganhar sempre, mesmo que com um Fiat 500. Nesse contexto, ou ele se comporta como segundo piloto como vem fazendo recentemente ou quebra o pau como fez Hamilton, e Alonso vai catar uma outra equipe para ser campeão. Qual desses cenários é mais provável de acordo com o que andamos vendo?
      Vamos deixar que o Massa conquiste a nossa confiança de torcedor ao se comportar bem na pista e ganhar corridas, não simplesmente dá-la porque ele é brasileiro. Senão o desapontamento poderá ser grande.

      Abraço, Conrado.

  • A FIA faz as mesmas cagadas da CBA, so’ que em escala maior. Proporcional evidentemente ao tamanho de cada uma delas.
    As duas tem muitas coisas em comum, ambas nao ligam para o esporte, mas sim para o nego’cio.
    O motivo de ter contratado o perito foi so’ para sossegar o pu’blico, suponho… Ja’ que nao foi aplicado nada ale’m do que ja’ havia sido aplicado antes da pericia. (teclado bosta)