A guerra de Bernie

SÃO PAULO | Aí Ecclestone acordou. Tomou seu café de lorde, deve ter lido o jornal que lhe jogaram à porta e, mesmo que na capa tivesse lá estampado com destaque a situação no Bahrein, desconfiou. Porque Bernie tem emissários em Manama e região, segundo o próprio. Aí o chefe da F1 que ontem já admitia que o cancelamento da etapa era iminente hoje já era outro.

À BBC, Ecclestone falou em esperança, falou que a situação já está diferente, falou que sua opinião é outra e que espera que não tenha de fazer nada para que a abertura do campeonato aconteça em Sakhir como o planejado. “Nossa gente diz que está tudo quieto e sem problemas”.

Bernie talvez não tenha se preocupado em ver a própria BBC. Só o site da emissora já traz como manchete os “nervosos barenitas enterrando seus mortos”, e um clique nos revela que “os homens estão prontos para morrer em troca de mudanças” no governo monárquico de Hamad bin Isa Al-Khalifa. Acabo de ligar a TV. Assunto: Bahrein e Yêmen.

Uma das alegações de Ecclestone é que a F1 “nunca se envolveu em questões políticas ou religiosas”. De fato, não é função da F1 se meter em assuntos que não se discutem. Mas Bernie não tem de meter a F1 nisso. Inflado, aquele povo não vai hesitar em usar os testes e a corrida como plataforma para sua raiva. Gente de outros países árabes está chegando ao Bahrein. Gente que, sob a asa de um deus que eles julgam ser maior que qualquer outro, entregua sua alma purificada para o outro lado da vida sem temor em frente de armas e tanques e soldados fiéis a seu rei.

Bernie, no fundo, vê tudo isso como um exagero, bem como o cancelamento da etapa da “não importante” GP2 Ásia. 80 anos na lomba lhe garantem que uma corrida de F1 tem de continuar, tal como um show. O empresário e homem de negócios Ecclestone tem para si que um conflito no Bahrein é só uma pimenta ardida para o início de seu espetáculo e que, como na arte, os mocinhos vão vencer. Por mais que se goste de F1, e todos os caros leitores que aqui vêm evidentemente apreciam, hão de entender que é somente uma mera corrida de F1. Há outras 19 para se ver neste ano, e ninguém vai amarrar uma bomba no corpo ameaçando um assassinato coletivo. A prudência e o bom senso são latentes: cancelem essa prova, cacete.

E aí, paralelo a tudo isso, na seção de variedades e fofocas dos jornais, surge uma biografia na Inglaterra que revela que Bernie passou boa parte de sua vida humilhado a agredido em público por sua ex-mulher, Slavica. E então a gente entende qual a noção que Ecclestone tem de um conflito. O Bahrein é fichinha perto de sua guerra particular. E os prejuízos que pode ter com um simples GP de F1 não vão superar os mais de R$ 1,5 bilhão que já perdeu para sair dela.

Comentários

  • O Bernie sabe o que faz e ninguém vai ensina-lo a fazer um evento. O mais engraçado é que nesses momentos de agitação popular sempre aparecem os hipócritas de plantão querendo misturar esporte com política e acabam por fazer um papel ridículo.

  • Custa correr em Portimão???? Será que ele tem medo de que o público vendo os carros em uma pista de verdade, se revoltem contras estas pistas de autorama do Tilke?

    Trocava fácil Sakir e Yas por Portimão e Paul Ricard.

  • Convenhamos, quem gosta de automobilismo gosta de ver o circo pegar fogo. Com uma guerrinha no portão do autódromo, já imaginou que bacana? [ironia]

  • Um fato importante que lembrei. Em 2001 teve corrida nos EUA logo após o 11 de setembro. Muito se falou de cancelarem a etapa mas acabou aconteçendo. Ok, não tava tendo uma “guerra” contra o governo, mas foi um negócio um bocado importante e mesmo assim teve corrida.

  • É verdade o que dizem que acontece ou só mais uma mentira inventada por jornais para mostrar o quanto os ocidentais são bonzinhos e o quanto os outros povos são maus. Ou será que vivemos a época em que não importa o que um piloto faça dentro do carro, ou um jogador de futebol com a bola nos pés, e sim o que e o quanto cada um fala com os jornalistas? Se alguém deixa de dar entrevistas, é o novo inimigo publico número um. Bernie falou com as pessoas no Bahrein, ele sabe o que está fazendo. Deixe ele fazer o trabalho dele, cada um que faça o seu.

    • Se você acha irrelevante, insignificante ou que não tem nada a ver arriscar a vida das pessoas que estão envolvidas ou que vão assistir uma corrida nessas condições, sugiro que você seja o primeiro a se colocar a disposição para enfrentar o que vier a acontecer.

  • Não deveriam substituir a prova, que cancelem e começe a temporada na Australia. acho que só esta demorando a decisão proque deve estar pensando em adiar a corrida

  • Não me recordo direito, mas não teve a muitos e muitos anos atrás uma prova na África do Sul (F1, F2 ou turismo, não sei) que derrubaram uma passarela (serraram a base e ela caiu exatamente na largada da corrida, com os carros quase batendo nela) e que foi um ato político? A F1 é uma ótima vitrine para se protestar, o mundo inteiro acompanha, noticia o que acontece nessas provas. É bastante arriscado correrem lá, o Bernie já deveria estar buscando uma alternativa de local para fazer a prova.

  • Como o Bahrein não faz diferença para a integridade das fronteiras de Israel, por nós conservadores de direita o rei pode cair ou não, dane-se.

    E como corrida pra nós é gaiola de fibra andando em círculos, tanto faz se vai ter prova ou não.

    Como nesse circuitinho furreca ninguém passa ninguém, troquemos a corrida por uma rodada de playstation regada a Heineken. O churrasco não é opcional.

  • Uma alternativa ao sempre chato GP do Bahrein, seria uma corrida no circuito de Losail, no Qatar. É próximo ao Bahrein, parece ser um traçado interessante e a prova poderia ser realizada a noite, como gosta o Bernie.

  • Ô Vitonez, as palavras estão ótimas, só acho que você deve tomar cuidado com esse parágrafo pós foto. Deu a impressão de que você acha todos os muçulmanos extremistas, capazes de se explodir etc e tal, quando a gente sabe que não é assim.

    No mais, cancelem essa porcaria.

    Abraço!