À merda

SÃO PAULO | A capa do L’Équipe de dois anos atrás externava grande parte do sentimento dos franceses pela eliminação da França na primeira fase da Copa do Mundo de 2010. Num grupo que tinha a anfitriã e fraca África do Sul, o técnico Raymond Domenech foi jogado ao cadafalso com jacarés famintos e então levado à guilhotina depois da derrota de 2 a 0 para o México.

O principal jornal de direita num país então governado pela direita de Nicolas Sarzoky soltava em sua página principal dois palavrões. Um “vai se foder, filho da puta” de boca cheia e dado com gosto por Nicolas Anelka que ecoou na redação e no país todo, e Domenech e sua arrogância morriam para o futebol enquanto o povo se sentia representado na manchete e não ia às ruas em Paris, Nice ou Marselha para acompanhar o resto da competição.

Pois ontem o futebol mexeu por estas bandas com quem gosta do futebol, independente se o time estava ou não em campo. No Rio, a mão do careca Santiago Silva sobre o despedaçado Thiago Neves virou a foto digna de prêmio para que os irreverentes argentinos se deleitassem com o empate-vitória do Boca com o Fluminense. O gol ao estilo Boca de existir, no minuto final de uma partida em que nada fizera, soltou do povo vizinho o ‘carajo’ exposto na chamada do Olé. Da mesma forma, o Corinthians mandou o Vasco para casa no cabeceio certeiro de ‘PQPaulinho’, como o Lance! trouxe, em um terremoto provocado pela torcida dos coirmãos isentos de taxas na região do Pacaembu.

Numa análise rápida, a resposta do povo às capas dividiu opiniões. De boa, nem deveria. Num país que se diz do futebol e em que todo mundo torce, contra ou a favor, a expressão de um palavrão em uma capa de jornal ainda é vista por muitos como um acinte, num conservadorismo que remete aos tempos da ditadura e fere os bons modos e costumes. Como se as crianças que o lessem perdessem toda sua educação engravatada e velada e adotassem para a vida a Lei do Bambu daquela menina do programa do Silvio Santos. Como se aqui fosse o Vaticano, de gente teoricamente beneditina e sacrossanta, onde não fosse permitido falar aquele sincero ‘puta que pariu’ e a sigla PQP tivesse de ser adotada como regra, e com restrições. Como se o ‘carajo’ aportuguesado, com o perdão do trocadilho, não estivesse na boca de toda essa gente depois de um gol perdido como o de Diego Souza. Como se o esporte fosse uma ópera ou uma orquestra e o populacho fosse relegado a uma cadeira e a aplausos quando o pano cai.

Não é uma apologia extrema para que o palavrão seja corriqueiro. Há de se ter um bom senso, obviamente. Caberia aqui, também, uma longa discussão do papel do jornal impresso e como eles têm de se remodelar para não serem devorados pela internet, de como os periódicos vêm se transformando numa revista diária que seja um complemento da grande rede. Se os jornais encontraram na voz do povo uma sobrevida, os bons esportivos que sabem o que é e do que é feito o futebol foram ideais em suas mensagens. Futebol e palavrão são Buchecha e Claudinho: coexistem. É que até na mais simples das coisas tem quem seja provinciano.

Essa gente, inclusive do meio, que faz mimimi e muxoxo por causa de um palavrão, ainda se excita com a imagem das pernas descobertas da dançarina de cabaré no folhetim dos anos 50. Os franceses, talvez, mandariam a la merde.

Comentários

  • Caro Victor, palavrão não é para ser usado, e isso é uma questão de educação e não de ditadura ou esquerda e direita… Os tempos mudaram? Sim, as pessoas estão cada vez menos educadas, e isso é o que devemos combater.
    Um abraço.

  • É Victor…

    Tbm não acho que as pessoas precisem ficar tão “irritadinhas” com o que se diz nas capas dos jornais. Aliás, todo dia tem um “Meia-Hora” com capas hilárias e repletas de trocadilhos e até palavrões muito mais pesados.

    A meu vero, o problema não são os palavrões. Se é que há um problema, ele está no fato de que determinados tipos de jornais são lidos por determinados tipos de pessoas. Se os leitores do Lance! se ofendem com palavrões, p. ex., então porque o Lance! deveria usá-los? Entende o que quero dizer?

    É como o teu colega Flávio Gomes.

    Eu gosto da maioria das análises que ele faz. Mas detesto quando ele trata mal as pessoas que comentam no blog dele. Acho a postura dele terrível. Aí ele se defende dizendo que o blog é dele e tal. Tudo bem. Mas ele não escreve para as pessoas lerem? O objetivo do blog não é divulgar as crônicas e os excelentes textos que ele escreve? Então porque deveria ofender as pessoas que dão crédito às suas palavras e acessam o seu blog?

    Da mesma forma são as publicações impressas. Não há nenhum mal intrínseco no uso do palavrão. Mas, se com sua publicação o jornal está de alguma forma ofendendo o seu público alvo, então talvez essa atitude não seja ética (compreendendo aqui ética como um conjunto subjetivo de normas de conduta pessoal que se permitam o convívio harmônico entre as pessoas, numa visão bem Kanteana).

    A mim, por exemplo, o uso de palavrões não ofende. Eu concordo com o seu texto de uma forma geral. O uso de palavrões está tão arraigado na cultura do futebol que uma publicação dessas não chega a ofender.

  • Concordo com o texto em geral, Victor, mas confesso que não entendi a parte do “L’Équipe” ser de direita, ainda mais ser o mais importante jornal de direita. Imagino que o “Le Figaro” é mais à direita e mais importante que o “L’Équipe”?

  • Melhor que o PQPaulinho só o VTNC Diego Souza que os coirmãos isentos de títulos proferiram ontem no twitter, certo Victor Martins?

  • P… que texto!! O que mais fala num jogo de futebol? PALAVRÕES. Em 90 min.tem mais palavrões que a palavra GOL, nem precisa ser um expert ou provido de grande inteligencia, para quem frequenta as arquibancadas sabe é normal. Expressar esponteaneamente “soltando” um palavrão, vez ou outra é, com certeza, um desabafo ou provocação. Mas retratar numa capa ou numa reportagem recheada de palavras de baixo calibre é no minimo falta de capacidade, de criatividade no vocabulário de jornalistas/revistas querendo galgar no lucro e “destaque” da midia chula.

  • O grande erro de textos como o seu é nivelar a sociedade por baixo. Aliás, isso é típico da época que vivemos, da ditadura da “liberdade de expressão”. Usar a França, que chafurda numa perda de identidade lamentada pelos franceses mais antigos, como exemplo, é um ato falho. No Brasil, país da “mulheres-melão”, BBB e outras idiotices produzidas para a plebe rude, até faz sentido. Afinal, já somos obrigados a ouvir funks proibidões e outras excresências. Uma a mais ou a menos não faz falta. Só que eu não compraria o tal jornal.

  • Ué,o L’Équipe é de direita?Mas não é um jornal de esportes?Se for assim,qual seria o jornal de esportes da esquerda francesa?

      • Obrigado,Antonio,não conhecia essa publicação.Valeu pela dica.
        Luiz Carlos,vê-se logo que você é uma pessoa muito ocupada.Tão ocupada que nem tem tempo de bancar o adolescente idiota e que fica por aí trollando os comentários alheios.Parabéns e continue assim…se comportando feito um retardado mental!
        Quanto a você,Victor…percebo que,diferentemente da maioria dos jornalistas,você tem bastante cultura.Pena que não demonstre ter,em igual quantidade,a generosidade necessária para fazer um blog receptivo a pessoas que não possuam a mesma cultura que você.Minha pergunta,que você não se dignou a responder,se deu pelo fato de não estar familiarizado com publicações francesas (não falo francês) e não observar esse viés político/ideológico em outras publicações esportivas,principalmente no Brasil.
        Abraço.