Terra de ninguém, 12

SÃO PAULO | Vi o primeiro trecho do programa Bem, Amigos, do SporTV, há pouco, que contou com a presença de Massa. Na primeira fala, diante do choro desbragado — clicado acima por Carsten Horst — e do grito que se desentalou ao ouvir “toda a arquibancada, minha família, minha mulher, meus amigos, todos os meus mecânicos e minha equipe” no fantástico GP do Brasil, disse o seguinte:

Foi uma emoção muito grande, mas não foi só isso. Aquele choro era mais pelas dificuldades do que pelas alegrias. Tomei muita porrada e cheguei até a pensar: ‘Será que eu sirvo pra isso?’. E aí eu comecei a pensar e estudar, até a trabalhar um pouco mais a minha cabeça que naquele momento já tinha ido para o espaço, e aí eu comecei a raciocinar de novo e a voltar ao caminho que sempre tive e trabalhei em todas as categorias e na F1 até estes anos complicados.

Um dos passatempos e/ou exercícios profissionais mais recorrentes nas últimas três temporadas foi execrar Massa no combo que juntava os maus desempenhos com a subserviência ao mundo vermelho que o achatava em prol de Alonso. A evidente queda foi atrelada ao acidente que lhe fez ver mola e estrelas na cabeça e o tirou de cena por meio ano. Felipe sempre negou ter perdido aquele Felipe, e as desculpas vinham na forma de problema com aquecimento de pneus ou adaptação ao estilo de pilotagem diante dos carros não muito perfeitos da Ferrari.

Desde 2010, Felipe não fez estardalhaço para anunciar que estava procurando um terapeuta nem ficou revelando aqui e ali que trabalhava arduamente em Maranello para ser um profissional melhor. Tomou porrada, muita, e como um Anderson Silva ou um Jon Jones da vida, aguentou. Em nenhum momento, retrucou com indiretas ou xingamentos qualquer crítica que lhe era feita. Também não virou a cara, não deixou de cumprimentar, não agiu pelas costas, não mudou no trato — e posso garantir mesmo com o pouco que o acompanhei no fim de semana em Interlagos e em todos em que pude estar nos anos anteriores. Massa procurou tratar as feridas, mas elas eram reabertas a cada sete ou 14 dias. E combalido, questionou-se se já não era hora de parar.

Um dia, todos nós vamos pensar isso, se já não pensamos, ver se o sofrimento dos dias vale a pena sem que obtenham os resultados positivos, ponderar os pós e os contras numa libra imaginária, chorar por orgulho e não por dor. E quando se percebe que, sim, o negócio é insistir e perseverar, tiramos de nós aquele resto que vira a máxima questão de honra. O resto de Massa foi a mudança, que ao lado da morte é a única certeza da vida. Deu certo: os pontos vieram, a ajuda de peito aberto a Alonso foi explícita, o pódio no Japão não foi por acaso, a confiança reapareceu, o contrato foi renovado, mais ajuda, muito mais ajuda a Alonso foi prestada, e o pódio no Brasil foi alcançado em grande estilo. Massa não morreu, sequer caiu, e ao ressurgir em Interlagos, caiu.

Na hora em que desci do carro e olhei toda a arquibancada olhando meu nome, minha família, minha mulher, meus amigos, todos os meus mecânicos e minha equipe emocionados comigo, ali eu caí.

Um dia, todos nós vamos cair assim, se já não caímos, ver que o sofrimento dos dias se transformou na graça alcançada, e é bom cair assim, tomado pela emoção de quem se reencontrou. É possível, por que não, Massa ter uma recaída no ano que vem. Que se dane, na boa. A lição que ele passou, principalmente a si mesmo, denota a postura de não só de um mero piloto de carros, mas de um homem que soube e que vai saber, caso seja preciso, se reinventar e vencer sem nunca perder a ternura e o caráter.

Comentários

  • Felipe Massa. Na minha Opinião, um ótimo Piloto. Agora livre da Ferrari, se surgir uma oportunidade, em Equipe, que dá os mesmos direitos aos dois Pilotos, vai mostrar o quanto vale, na Fórmula l. Valeu Felipe, me tirou a obrigação de torcer para FERRARI. Queremos você na Fórmula l seja em que EQUIPE FOR……………………………………………

  • Muito bom o texto, Victor, mas agora quem sempre malhou o Massa não vai ter coragem de falar nada. Eu, por exemplo, continuo achando que ele voltou muito fraco depois do acidente com a mola. Um ponto ele tem: não é de chorar ou reclamar a cada patada que toma. Ele caiu de pé quando perdeu o título pro Hamilton.

  • Grande Victor,
    Desculpe-me o atraso (estava de férias nos EUA)…
    Parabéns pela ótima cobertura do Grandepremio no GP Brasil. Vocês são “soda”…
    Mais uma grande texto (brincadeira vc, como sabe escrever!!!)…
    Já escrevi uma vez sobre isso, mas repito com este seu texto:
    Felipe Massa foi muito melhor que Barrica como piloto brasileiro na F1 e como piloto da Ferrari pelos seguintes motivos:
    – Nunca fez mi-mi-mi com a imprensa (Barrica tem o recorde mundial neste quesito);
    – Nunca criou “teoria da conspiração” contra ele, contra o Brasil etc. (Barrica possui também este recorde mundial);
    – Massa realmente lutou por um campeonato em 2008, Barrica quando teve a chance de disputar (2009 com a Brawn) ficou em terceiro. Os dois vices do Barrica em 2002 e 2004 nem vale pois jamais ganharia do Schummi;
    – Massa nunca fugiu “do rojão” – quando erra fala que erra e sempre respeitou as críticas trabalhando, não gerando polêmicas e tratando muito bem a imprensa, como você escreveu muito bem…
    Enfim Massa não “inventa um personagem” como nosso locutor oficial do plim-plim quer criar e que nosso Barrica sempre “vestiu esta carapuça (não sei se escreve assim)”…
    Um grande abraço e obrigado pelas notícias do dia-a-dia…
    Marcelo

  • texto lindo se estivessemos falando de um homem pobre, que deixa de comer seu proprio alimento para dar aos filhos e que no dia-a-dia, se supera para dar vida digna a sua familia…

  • Vamos ver quantas corridas isso vai durar. Se der um chega pra lá no Alonso, disputando curva, vou acreditar. Se não, é pura chorumela e vai ceder posição logo no inicio do campeonato. Weber na largada quase botou o campeonato do Vettel no lixo. Massa pílota subserviente, olhando no retrovisor, e isso não é atitude de quem quer ganhar corrida.

  • Ola Vítor,
    Há alguns meses você escreveu um post questionando a qualidade do Massa e dizendo que o quase campeonato de 2008 foi um acidente. Não concordei, mas quem recebeu a contestação foi Fábio Seixas que escreveu algo parecido. Não penso que este texto seja contrário ao outro, são coisas diferentes, mas vou fazer um comentário até para poder elogiar este como o outro post no qual voce conversou com o Divilla sobre Alonso e Vettel, que foi de primeira linha, jornalismo puro e muito bem feito.;
    Penso que o maior pecado de Massa é admitir seus problemas num mundo de super-homens – falsos – e num país que discute se Piquet ou Senna foram os melhores de todos os tempos. Ao admitir que não gostava de correr em Monaco ou na chuva, Massa, deu a cara para bater aqui e lá. Não é fácil.
    Um abraço

  • Victor, belíssimo texto!
    Especialmente para aqueles que já viveram ou testemunharam situações em “que o sofrimento dos dias se transformou na graça alcançada”.
    Força Massa!

  • Prezado Victor Martins,

    Parabéns pelo belíssimo texto publicado. Auxilia na reflexão de muitos leitores que tiveram a oportunidade de ler a poder perceber momentos análogo de suas vidas.
    Quanto à postura de Felipe Massa, ao menos naquilo que pudemos ter acesso, foi ímpar e irretocável. Gosto muito de suas declarações nas entrevistas publicadas, cujas palavras apresentam um jovem ponderado, concentrado nos objetivos, independente das circunstâncias que o envolvem, seja nos momentos bons, seja nos ruins. Ainda, alguém que por meio de suas palavras busca não tratar mal, pormenorizar, ou revidar de forma agressiva, quer de forma verbal, quer de forma comportamental, todos aqueles cujas declarações não tinham outro objetivo senão pormenorizá-lo. Tivemos a oportunidade de perceber isto ao longo do ano pela imprensa italiana, o condenando de forma absolutista, bem como por boa parte de nós, brasileiros, que somos os primeiros a “jogar pedra” em nós mesmos.
    Felipe Massa teve como desfecho em seu ano de ressurgimento o surgir do Felipe que até o momento se apresentava como fantasma para ele mesmo: o talentoso piloto, vice-campeão de 2008, por injustas falhas da equipe e o infortuno estouro de motor no gp da Hungria, quando fez uma belíssima largada de terceiro no grid para primeiro, ultrapassando as duas McLarens antes da primeira curva. Pode-se notar que Felipe corria, para além da busca por resultados, no sentido do resgate do ótimo piloto que tinha certeza de ser em suas declarações. Com todas as pressões, sendo a pior delas a de si mesmo, conseguir retomar seu prumo e correr, como ele mesmo declarou, feliz. E com isto, a tendência é que tudo possa fluir no seu melhor curso.
    Que para o próximo ano, ele possa manter o atual estado motivacional que conseguiu desenvolver com o renascer do talentoso piloto que jamais ousei duvidar, com a conquistas de resultados positivos para sua carreira.

  • Quando Raikkonnen foi campeão em 2007, todo mundo achava que dali para frente a Ferrari seria toda dele e que Massa seria reduzido à condição de Rubinho diante de um novo Schumacher. Nem preciso dizer que no ano seguinte Massa foi protagonista, diante de um Raikkonnen desmotivado. Uma pena ter perdido o campeonato, que ao meu ver, mereceu mais que Hamilton.

    Claro que Alonso não é Raikkonnen e sua situação na Ferrari, com o Santander por trás, também é diferente. Mas se Massa começar o ano que vem como terminou este, e Alonso tiver um pouquinho da falta de sorte que teve no meio deste ano já nas primeiras corridas de 2013, vai ficar difícil para a Ferrari fazer Massa trabalhar 100% para o espanhol. Então seu ano deve ser bem melhor, talvez novamente um top 3 na tabela final…

    Não digo que ele possa ser campeão, porque com tanto investimento no Alonso, a Ferrari não vai admitir que ele chegue lá e consiga o que o espanhou tentou e não conseguiu por 3 (então 4) anos seguidos.

    Nestas horas lembro do Irvine, que só não foi campeão em 1999 porque a Ferrari não quis (lembram do esquecimento do pneu nos boxes?), em benefício do Schumacher (seria feio o supergarotopropaganda alemão, bicampeão do mundo, bater na trave 3 vezes e, na quarta, ficando de fora por causa do acidente em Silverstone, o insosso Irlandes, que nunca fez nada que valesse sua vaga na equipe até então, quebrasse o jejum de 23 anos…). A Ferrari tem dessas, e da mesma forma que Hakkinenn agradeceu muito pelo capricho Ferrarista, o mesmo pode ocorrer em 2013, se o ano não for um passeio do espanhol…

  • Fantástico. E o Felipe pode ter no fim da sua carreira exatamente os mesmos números do Rubens, mas será sempre mais respeitado pelo brasileiro que acompanha corridas de verdade…

  • Há alguns anos atrás, Rubens Barrichello corria em Interlagos, se não me engano ainda pela Ferrari. Foi pole, liderou e “pufff”!! Parou! A crítica especializada ou não relevou, ainda que na verdade se entendesse que fora outro fracasso do eterno vice. No caderno de esportes do Estadão, uma crítica bem humorada, porém aguda “tascava”; “Rubinho, correu como nunca, parou como sempre!” 2012, após um ano ruim, o mais proeminente piloto brasileiro da nova geração até ontem era o supra sumo da subserviência da equipe vermelha. Bastou uma corrida bem “maluca”, com chuva e acidentes e outro título decidido aqui no Brasil. Inclua-se aí as ilustres presenças de Fittipaldi, Piquet e até o eterno vice Barrichello ousando uma carreira de comentarista-repórter da Globo e eis que a corrida de Felipe Massa é digna de todos os superlativos possíveis, coroados pelas lágrimas no fim da corrida. Patriotada! Potencializada pelo eterno “bocão” Galvão Bueno e por uma apaixonada torcida que seja nas arquibancadas, seja em frente à TV aplaude, festeja um terceiro lugar do até ontem “outro piloto ruim da nova geração”, mas sonha com o surgimento de um novo gênio Senna. Frio e calculista como um Haykonnem ou um Alonso, mas tão vibrante e guerreiro como um Piquet. O saudosismo por aqui é tão grande do torcedor da F1, sub julga nossa também eternamente memória curta.

  • Belo texto Victor, me permita uar esse espaço para além do elogio a você por palavras muito bem colocadas, tambem referir o fato de que por pior que seja o piloto de formula 1 que disputa uma temporada, ainda assim ele e muito bom em relação a muitas e muitas pessoas. O Massa e também o Barrichello figuram como pessoas importantes esse universo de homens fora do cumum, não é somente com um caminhão de dinheiro investido que um piloto se mantem nesse meio, o talento, a diferença e estar em um nível muito alto contam também, por isso não entendo toda a critica humilhante que faz as excelentes pilotos Felipe massa e Rubens Barrichello!!

  • otimo texto, eu nao falo isto nos dia de hoje ja falei muito tempo atras, o problema nunca foi o felipe o problema eo alonso e a ferrari, e lembrando que ele da (ferrari) sempre foram o dick vigarista da F1 e isto nunca vai mudar azar foi o nosso de ter tido dois pilotos brasileiros em volvidos nisto.

  • Reconheço que eu (como muitos aqui) foi um dos que, ao acompanhar as agruras de Massa desde o retorno às pistas, bateu nele. Não com xingamentos à genitora, ou insultos à sua honra, mas com a dor da sensação de que aquele quase-campeão de 2008 (campeão sim, por força do braço a despeito das falhas mecânicas) não voltaria mais.

    Nas últimas provas, porém, provou ser capaz de reagir e dá a esperança de peitar Alonso se mantiver o ritmo desde o início de 2013. Vide seu desempenho nos dois últimos treinos de classificação, sendo mais rápido que o espanhol mesmo com o candidato ao título mordido e dando o máximo pra retormar a liderança.

    Como piloto, Massa não é um Alonso. Não é um gênio fantástico, capaz de milagres com uma carroça. Mas quero realmente acreditar que ele possa voltar a ser uma pedra no sapato pro seu companheiro de equipe.

    Bem-vindo de volta, Felipe. Fico feliz que você tá de volta à batalha.

  • Excelente matéria. Fico me perguntando desde os tempos de Renault, Alonso é companheiro de equipe??.. ou um serial killer feliz em trucidar seus companheiros e ficar com todos os aplausos?? na Mclaren quando ninguém aplaudiu suas presepadas revidou abrindo as páginas do livro mágico dos senhor dos anéis, Alonso cheira morte para os companheiros que desmancham psicologicamente como Nelsinho. Massa sobrevivera?

  • A exemplo do Coronel Jesuíno, diz a Ferrari a Felipe: Em 2013 eu vou lhe usar! Na boa, que o próximo ano seja um dos melhores na carreira de Felipe; que as portas se abram com vontade e que ele de um belo “Adeus” a essa equipe que só enxerga um.

    Deveria existir um tratado, onde o piloto só poderia fazer aquilo o qual ele treinou a vida inteira para fazer: competir somente para si mesmo.

  • Eu sou dos que pensava que o problema era a mola e que nunca mais seria o mesmo. Que comece a temporada bem e saiba lutar como e contra Alonso .
    Nas últimas 4 corridas esteve superior a Alonso em 3, na Coreia, EUA e Brasil. Que não seja fogo de palha.

    • Todo mundo cita que o problema foi a mola.
      Minha teoria é que a perda do campeonato, em casa, na última curva, quando era praticamente campeão, foi uma queda da qual ele nunca mais se levantaria totalmente.
      Vale lembrar que depois daquela vitória, não houve outra.

  • Lindo texto, lindo mesmo

    Felipe é um exemplo, um grande piloto que, na minha opinião merecia aquele titulo de 2008, foi um guerreiro, lutou e luta sem desistir, ainda que seja cerceado por razões contratuais

    E a respeito do texto, da lição que se extrai, é aquela coisa de sempre, de superação, você, Victor, sabe da minha história, te contei há alguns anos, consegui superar algumas coisas, me reinventar em parte, e ainda que as coisas oscilem, a lição que fica é essa, jamais desistir

    Vale se questionar, se criticar, se reavaliar, mas enquanto pulsar algo mais forte, lutar, lutar e perseverar, pelo próprio bem

    Grande abraço,

    R/T

    • Isso mesmo!

      Até parece que essa mídia aparelhada as jogadas da Ferrai e Globo convence de que Massa não é massa de manobra da Scuderia.

      Uma vez vendido, sempre vendido. Ontem segundo piloto, hoje segundo piloto e amanhã segundo piloto. Sucesso Felipe!