Riscos e negócios


NATAL |
As pessoas que se aventuram em ter vários negócios de diferentes naturezas podem se considerar, além de comumente boas gestoras, impetuosas e desafiadoras. São gentes que lidam com o risco e o tratam como predicado inerente a quem quer ser bem sucedido. Tony Fernandes se encaixa neste quesito. Dono da AirAsia, o malaio buscou no esporte novas formas de levantar dinheiro e ampliar suas atuações do mundo dos negócios. Quase que simultaneamente, comprou o Queen’s Park Rangers e montou do zero uma equipe na F1.

Em ambos, sabia do quanto poderia se dar mal. O QPR vinha naufragando na Liga Inglesa, sempre sofrendo para permanecer na Premier League e dando prejuízo; na principal categoria do automobilismo, começar uma estrutura sem ter base alguma tem sido uma loucura das mais insanas. Para tal, ousou e usou a Lotus. Brigou bastante com aqueles que se achavam com o direito do nome, fez lá seu barulho, buscou metas e, mal ou bem, manteve-se até a virada das regras na F1 para tentar o salto maior. No começo do ano, em meio ao lançamento do feioso CT05, foi indicando em entrevistas e nas suas atuantes redes sociais, que um novo carro de fundo de pelotão significaria o fim da aventura.

A Caterham já sabe que será a última colocada no campeonato de Construtores, sobretudo com os dois pontos que Jules Bianchi deu à Marussia em Mônaco. Dificilmente uma situação semelhante vai se repetir nesta temporada, até porque o carro verde é notoriamente mais lento que a mais próxima rival – que anda cada vez mais perto da Sauber. No futebol, no entanto, o QPR conseguiu a ascensão para a primeira divisão contra o Derby County.

Hoje de manhã, Fernandes usou pela última vez o Twitter – algo que já vinha anunciando desde abril, a saída. Dentre as mensagens de paz, plenitude e futuro, soltou que o projeto da ‘F1 não deu certo’. O que é bem claro: a Caterham vai deixar de ser a equipe que conhecemos desde 2010. A operação, segundo o jornalista americano Adam Cooper, deve passar por uma restruturação completa e/ou ser vendida. Ouvi de fonte ‘americana’ que Fernandes tem sido visto nos EUA frequentemente, sinal de que negocia por lá um bem-bolado. Mas não há relação alguma com a Haas. A Forza Rossa também não está, a princípio, no radar.

A provável saída da Caterham da F1 não tira o sono de Bernie Ecclestone. Que, pelo contrário, meio que estimula a debandada de que não tem dinheiro. Ao fim e ao cabo, torna-se estranho que a maior acionista da F1, a CVC, insista em manter como homem forte da categoria alguém que, no fundo, não preze para seu bom andamento e só dê valor a quem apresente um volume voluptuoso de cifras. Talvez por isso esteja tão cego a ponto de deixar seu negócio ter cada vez menos público e notoriedade, curvando-se a regras que vão minando as corridas e sendo inerte a ações básicas de um mundo que mudou por completo.

Ecclestone teria muito que aprender com Fernandes sobre riscos e negócios. Ou, pelo menos, lamentar a ida de alguém que tentou contribuir para seu espetáculo que vem recebendo menos aplausos. Se não paga a fatia financeira dos lucros corretamente às pequenas, Bernie vem pagando com injustiça e oferecendo a porta da rua. Logo, há também de pagar as penitências e os pecados.

Comentários

  • Tony Fernandes não “caiu de pára-quedas” no automobilismo.
    Antes da viagem da F-1, ele já havia criado a A-1, a tal Copa do Mundo das Nações, que quase deu certo. Abandonou aquele projeto pelo da F-1.

  • Uma equipe que coloca Kovalainen e Kobayashi para pilotar tem mais é que sair da F1 mesmo…
    Pior mesmo só se os dois tivessem corrido uma mesma temporada…

  • Post consciente e direto. Os dois últimos parágrafos mostram, sem retoques, a imagem interesseira e alienada do “gestor” da categoria.

    O tempo passa para todos. O de Bernie já passou, faz tempo.

  • Vitor,
    Ele não vai viver tanto tempo assim, para pagar seus pecados.
    Façamos votos, que seus sucessores tenham uma visão mais para o público, que para o negócio em sí.

  • A situação sempre foi dificil para as pequenas mas a partir de 2009 é que a coisa fedeu mais ainda. E não falo só da recessão econômica. Falo dos regulamentos.
    O que teve a partir de 2009 que exigia carros de aerodinâmica afinadíssima.
    Asa dianteira com N elementos, difusores duplos e soprados, DRS, efeito coanda, etc, etc. Quanto gasto com tantos detalhes para que o carro conseguisse ser um pouco competitivo.
    E agora esse regulamento de 2014 com motores de custo elevadíssimo e tantas traquitanas eletrônicas.
    Quanto mimimi.
    Bons tempos os anos 80/90, aonde tinhamos uma aerodinamica mais simples e motores que não custavam os olhos da cara.
    Aonde existia as pequenas equipes que revelaram tantos talentos.
    Esse velho já encheu o #% de dinheiro é que abarrotar mais. Fodam-se as pequenas. Aqui é o clube do Bernie aonde se lava mão com Moet Chandon.

  • E se a F1 fizesse a premiacao em dinheiro ao final do ano nos mesmos moldes dos “drafts” da NBA, NHL, NFL, onde os piores do ano tem direito aos melhores jogadores universitarios (mais ou menos isso)? No caso da F1, a premiacao seria invertida do que eh hoje, ou seja, Caterham e Marussia ganhariam muito dinheiro. Ja a Red Bull quase nada. Acho que seria mais interessante.

  • Acho péssimo que mais e mais equipes caiam fora da F1. Tudo começou em 2008, com o tsunami econômico que varreu o mundo. Naquela época, gente mui grande e poderosa como BMW, Honda e Toyota ou fecharam as portas ou conseguiram vender a preço de banana seus espólios. “Ah, vamos atrair mais equipes pessoal!”, algum gênio se tocou. Pois não. Apareceram a atual Caterham, a Virgin e a HRT. A última evaporou; Branson vendeu aos russos o seu time; e Fernandes ainda resistia. Não mais. Não se enganem, a Caterham não será a última a picar a mula nos próximos ( poucos ) anos. Mais gente pegará o boné e dará o fora também. Sauber? Marussia? Lotus? São belíssimos candidatos a sumirem das pistas de Bernie Ecclestone, cada vez mais despreocupado com a categoria, somente com os seus lucros e o medo de parar no xilindró da justiça inglesa que, como sabem, mete colarinho branco em cana, sim, senhores. “Ah, mas sempre haverá alguém querendo entrar!”, diz algum incauto. É mesmo? Quem? O mundo mudou, senhoras e senhores, e bastante. Com os custos nas alturas, quem quer rasgar dinheiro para andar na rabeira do grid anos e anos a fio, na promessa vã de desenvolver o carro pouco a pouco até atingir os píncaros da glória. É complicado. E irrealista. Fernandes, coitado, acreditou nessa balela e se lascou, para não usar outro termo. Se até o Alain Prost, peixe grande e tetracampeão, com todo o apoio da indústria francesa ( Peugeot e Gauloises ) e com pista para treinar à volonté em Magny Cours se quebrou miseravelmente, imagina os bagrinhos. Não é por menos que o nome de Piranha Club cabe tão bem à F1.