Spa Relax Francorchamps Elisées

Andre Lotterer

SÃO PAULO | Lotterer sentara pela última vez num carro de F1 em 2002. Naquela época, a Ferrari era soberana com Schumacher, a McLaren e a Williams brigavam entre si para serem melhores do resto, Montoya ainda começava sua carreira, bem como Räikkönen. A Jaguar era a sequência da Stewart e viria a ser a antecessora da Red Bull. Em termos técnicos, os carros passaram a ser mais nervosos porque os sistemas eletrônicos passaram a ser proibidos, fazendo com que as assistências de potência fossem controladas mecanicamente. Os motores eram V10 e os carros, robustos. Entrar na categoria dependia muito do desempenho na F3000 ou, em menor escala, na F3.

A Jaguar não deu chance a Lotterer para transformá-lo de reserva a titular, e um dos primeiros da safra que começou a render ótimos frutos na Alemanha foi parar no mundo do endurance, chegando à Audi. Lá, conquistou três vitórias em Le Mans ao lado de um dos maiores pilotos de todos os tempos, Tom Kristensen, outro que nunca guiou uma corrida sequer na F1 – azar da F1, fossem outros tempos. Do nada, 12 anos depois, a Caterham chama Lotterer para ser seu piloto na Bélgica, passadas as férias e o sol forte na cuca de seus questionáveis dirigentes.

Decisão à parte, Lotterer era uma loteria, mesmo que ele tenha tido ainda contato com outros carros de fórmula neste espaço de tempo. Sentar a bunda num carro de F1 sempre foi diferente de tudo e requeria uma habilidade sobre-humana. Lotterer a esbanja, não se questiona isso, mas num mundo onde seria preciso desenvolver habilidades para ter a mínima competição com as demais feras, o piloto é verde – sem relação à cor da equipe.

Eis o primeiro treino em Spa-Francorchamps, e Lotterer é MAIS RÁPIDO que Ericsson por 0s091. “Ain mas olha o parâmetro, Ericsson”. Vamos ao parâmetro: Ericsson, mal ou bem, já ganhou corrida de GP2 na pista belga. Na média da temporada, desconsiderando a Austrália – onde choveu – e a Alemanha, o sueco tomou em média 0s3 de Kobayashi, um piloto assumidamente rápido em termos de classificação e muito mais experiente. “Ain mas é a Caterham”. Amigo, por isso que é pior ainda: imagina o que é guiar aquele carro que não é lá essas maravilhas, que tem de controlar e acertar, ter vários estilos de tocada para acertar uma volta.

Quando Schumacher voltou à F1, os três anos de ausência foram imprescindíveis para seu mau desempenho. Era outro piloto, que teve de tentar reaprender a conduzir um carro com outro tipo de pneu e reações. A Ferrari decidiu substituir Massa por Badoer em 2009 pela ocasião de seu acidente. OK, era Badoer, piloto de testes e conhecedor do carro, e o maluco não fez nada. Daí chamaram Fisichella, habilidoso, tiraram da Force India; niente, também. A gente não está falando de anos trololó, mas coisa de cinco anos atrás, e olha a dificuldade que se tinha, de Badoer a Schumacher.

As mudanças das regras deste ano tiraram o tesão da F1. Hamilton declarou isso há dias atrás: não é empolgante, não é exigente, é entrar no carro, virar à esquerda e à direita, apertar botões, mexer na distribuição dos freios e pronto. E o resultado é Kvyat, 19 anos, sem nenhuma dificuldade em dar o salto da GP3 à F1 e, por consequência, a chegada de Verstappen, atualmente com 16, para ser seu companheiro imberbe e juvenil no ano que vem na Toro Rosso.

De novo: talento à parte, e Verstappen já demonstrou ter pelo que vem fazendo na F3 Europeia, o moleque não tem bagagem, não saiu das fraldas, mal sabe viver sozinho ou pode dirigir seu carro para ir a um autódromo, e vai correr de F1 atravessando gentes que batalham para isso há tempos. Há pouco, Villeneuve – que considero o mais inteligente piloto que a F1 teve em décadas –, analisou com propriedade tudo isso. É a pior coisa para a F1, e no ritmo que a coisa anda, daqui a pouco o piloto vai sair do kart direto para a categoria, tamanha a baba do boi que se tornou chegar lá, vestir um macacão cheio de patrocínios e acelerar e frear. Sem contar que a F1 se tornou um negócio tão banal que, como resultado, está inutilizando o propósito e o sentido das categorias de base.

Quem vive da F1 sabe da necessidade urgente dela se reinventar para ter mais audiência e atração, mas a prova dada hoje denota que a questão é mais crônica e grave do que se imagina. As corridas têm sido até boas, OK, mas até aí, as corridas da F3 de Verstappen também têm sido. Hoje, qualquer um – e aqui não é demérito da qualidade de ninguém – chega e faz um bom trabalho. A F1 era uma Copa do Mundo e virou um Campeonato Brasileiro, na comparação com o futebol: deixou de ser o máximo do automobilismo e sobrevive pelo nome. Um dia, a ostentação típica de família quatrocentona paulistana acaba, e aí não vai adiantar lapidar diamante para que ninguém veja seu brilho e valor.

Comentários

  • Não acho que está fácil pilotar um fórmula 1. Veja as diferenças entre pilotos de uma mesma equipe e verá que talento ainda manda. Concordo que ter dinheiro permite a qualquer um chegar lá. Mas quem não se lembra de principes e filhos de milionários que estavam lá em 70 e 80. Sempre haverá isso, mas sempre haverá também grandes talentos como Alonso, Vettel, Hamilton, Bottas e outros. Você fala com desdem de Kyviat, porque ele tem feito treinos melhores que Button, mas quantos novatos não chegaram arrebentando, como Emerson e Senna.

  • É isto mesmo, corridas muito mais divertidas, na semana retrasada, assisti a NASCAR em Watkins Glen, corrida para direita e esquerda, cara, como a moçada tocava, foi de arrepiar, lembrou a F1 do Villeneuve,pai.

  • Lotterer ė um piloto de ponta na Super Formula (antiga Formula Nippon), no Japão. Trata-se de uma categoria de monopostos respeitável, pelo que o fato de ele fazer um trabalho decente na F1 não chega a surpreender.

  • Você foi muito generoso ao dizer que o Ericsson tomava em média 0.3 do Kobayashi nos treinos classificatório. Abaixo meus cálculos:

    Austrália koba 1:34.274 eri 1:35.157 tempos do q1 pq koba foi pro q2 +0.883
    Malásia koba 2:03.595 eri 2:04.407 +0.812
    Bahrein koba 1:37.085 eri 1:37.875 +0.790
    China koba 1:59.260 eri 2:00.646 +1.386
    Espanha koba 1:30.375 eri 1:30.312 -0.063
    Mônaco koba 1:20.133 eri 1:21.732 +1.599
    Canadá koba 1:19.278 eri 1:19.820 +0.542
    Austria koba 1:11.673 eri 1:12.560 +0.887
    Inglaterra koba 1:49.625 eri 1:49.421 -0.204
    Alemanha koba 1:20.408 eri sem tempo 0.000
    Hungria koba 1:27.139 eri 1:28.643 +1.504

    média excluindo Alemanha pq ericsson não marcou tempo

    0.813

    média excluindo Alemanha e Austrália

    0.805

    média dos últimos 6 gps menos Alemanha

    0.710

    Obs:Bahrein,Canadá e Inglaterra Kobayashi não fez o primeiro Treino livre. Os reservas treinaram em seu lugar.

    Esse carro da Caterham é muito ruim(e feio), acho que o Lotterer entrou numa roubada, vai só sujar o nome dele.O Kobayashi devia aproveitar e procurar um lugar na F-E.

  • Se é assim tão fácil, o que explicaria a diferença entre Alonso e Raikonnen, por exemplo. Mesmo com regras polêmicas, como o controle de fluxo de gasolina, a mais absurda, ainda acho que a F1 continua sendo o Olimpo do automobilismo. Lotterer é muito mais experiente do que Ericson, e acredito que um protótipo de Endurance possa muito bem preparar um piloto para fazer um papel no mínimo razoável na F1, como acontecia até o início dos anos 70 com Giunti, Redmann, Scarfiotti, Bonnier e outros.

  • Mas será que “fisicamente”, um moleque de 16 anos aguenta uma corrida com uma hora e meia, duas horas (dependendo de chuva, etc)?

  • Apesar disso muita gente ainda acha a F1 o “supra-sumo” do automobilismo mundial e rechaçam qualquer coisa vinda de outros cantos como a Nascar, DTM, ou Moto GP, onde qualquer coisinha que não siga o “padrão F1” que acontece nessas 3 categorias é motivo pra esses compararem essas categorias a Stock Car ou a F-Truck… e a F1 continua lá pra eles como a “pica das galáxias”

    Vai entender..

  • Sempre fui espectador assíduo da categoria, de acordar em todas as corridas na madrugada, de comprar meu ingresso para o GP do Brasil assim que eram colocados à disposição. Mas este ano já perdi tantas corridas (por preguiça de levantar da cama ou por perder a hora), e não sinto o menor remorso, tampouco vontade de ir à Interlagos. Achei que era uma coisa minha, pois nunca fui um saudosista. Mas estou percebendo cada vez mais que esse sentimento é comum aos fãs da F1.