Interlagos tá bom, 2

SÃO PAULO | Quando a gente não consegue sequer escrever durante o sábado e o domingo de uma corrida, entenda: o negócio é insano. O ritmo de trabalho nestes dias de GP do Brasil é tamanho que os horários mais absurdos são comuns — acordar 3 ou 4 da manhã, abrir o computador, achar que vai ter tempo para rabiscar umas linhas, que nada, tem tarefa a fazer. Nem a pizza de celebração pós-cobertura aconteceu: foi um hambúrguer rápido e umas risadas com o Stefano Zaino, do ‘La Repubblica’.

E ainda bem que não aconteceu a pizza, do contrário teria algum anúncio. No caminho, Américo Teixeira Jr. me ligou, eu deixei uma lágrima furtiva rolar, ele riu e contou o que está apurando. Ainda bem que não soltou ontem à noite.

Bom, há várias coisas a dizer sobre o fim de semana do GP do Brasil. A começar pela reação do público ao motor V6 turbo: não houve um CERUMANO nas arquibancadas que tivesse gostado. É gente que agora consegue conversar numa boa na arquibancada e nem precisa fazer uso do protetor auricular. Tem volta? Difícil. Cêis acham que a Mercedes vai aceitar abandonar um projeto acachapante, vencedor, ao qual se debruçou e gastou uma bala? Se alguém propuser, a esta altura, um passo atrás, Niki Lauda e Toto Wolff simplesmente ameaçam cair fora do negócio. Aí cêis vão ver o que é crise na F1 e os cabelos alvos de Ecclestone caindo um a um.

Interlagos é uma belezoca. Pode-se falar que é antiquada, ultrapassada, afastada do centro da cidade, terrível contra os insetos, pode-se até usar a pauta velha e atrasada da crítica velada de fulano ou cicrano sem dar nome aos bois, mas a grande maioria adora vir pra cá. Até porque essa gente que curte automobilismo é meio ‘old-fashioned’ — e até por isso tem um puta apego pelo motorzão V12, V10 ou até o V8 diante desta porcaria de V6. Pergunta pra esta gente se rola alguma boa história em Abu Dhabi como as centenas que se desdobram aqui. E à distância, curti as reformas que foram feitas. Até vale uma sugestão: aquele muro construído no Laranjinha pode ser usado como exposição ou vitrine. Sei lá, uma pintura, um led, até mesmo um grafite, algo que faça marcar ainda mais o autódromo. É trabalhar a cachola pra ver que ideias fluem.

Rosberg dominou Hamilton o fim de semana todo, remetendo aos tempos do ano de Vettel sobre a rapa. Pena que realmente agora seja tarde demais. Dada a situação do campeonato após Austin, o GP do Brasil era a maior chance que Nico tinha de fazer sua parte e torcer para que a Williams, sobretudo Massa, tentasse tirar o segundo lugar de Lewis. Felipe, com seus erros embutidos, terminou 43s atrás. Em Abu Dhabi, só uma quebra realmente afasta o inglês de ao menos compor a dobradinha da Mercedes, o que lhe garante o merecido título.

Sobre Massa, um pódio igualmente merecido. Novamente: Felipe não é o melhor piloto do mundo e não está no primeiro escalão da F1 atual. E se fizer coro ao que Piquet e tantos outros falam, OK, que se ache que o pós-acidente da Hungria tenha afetado irremediavelmente o que ele é capaz de fazer com um carro de corrida, mas Massa é um cara absolutamente do bem e esforçado, dos maiores que o automobilismo brasileiro e mundial fabricaram. As batalhas que têm de vencer, incluso as pessoais, requerem um resultado como o que teve ontem e o aplauso do público enfim a metros de si. O que não o isenta das críticas pelas patacoadas de novamente exceder a velocidade nos pits e até mesmo errar o local de parada nos boxes. A cara de Claire Williams ao ver a cena era tragicômica. Ainda bem que a McLaren é parça.

Button em quarto. Deve ter feito sua despedida de Interlagos, um circuito marcante tal qual Silverstone em sua vida. Aqui conquistou título e viu seu pai apoiar o fogo naquele mal ajambrado carro da Honda. Jenson é outro da turma dos notáveis, classudo dentro e fora do carro. Talvez a gente não sinta a falta de Button como se deveria porque nunca vai classificá-lo como um dos expoentes do automobilismo. A gente é meio injusto. Na real, a morte do pai deu uma chacoalhada. E talvez seja melhor que Button procure um outro caminho para começar de novo.

Com a cabeça meio cheia de não aguentar segurar o segredo do qual todos sabem, Vettel guiou como nos velhos tempos. Alonso fez o que pôde com essa Ferrari capenga e Räikkönen até surpreendeu por ter feito o que não vinha fazendo. Ao menos, o trabalho para que compreenda melhor esta draga que a equipe construiu tem surtido efeito. Aliás, uma de bastidores: a imprensa italiana cai matando sobre a Ferrari, e não é pra menos. Ontem, o discurso oficial da Scuderia era que sexto e sétimo estavam de bom tamanho e que a Ferrari estava aprendendo. A italianada não se conformava. Aprendendo? A Ferrari não é equipe pra aprender. A Ferrari é equipe pra ensinar, e dá-lhe linhas e mais linhas acabando com Mattiacci e companhia. Pois a assessoria foi lá chamar os giornalisti para pedir que maneirassem, que se unissem neste momento, que evitassem as críticas. Cazzo e vaffanculo. A italianada não perdoa e, agora, não vai perdoar ainda mais.

Hülk, que piloto, que homem. Eu fico me perguntando que mal que Hülk fez na vida por não estar numa Mercedes ou numa Red Bull. Ou até mesmo nesta Ferrari aí que optou por Räikkönen — a italianada não entende até agora. Talvez falte em Hülk uma auto-promoção, eu sou bom, eu sou ótimo, eu sou fodão. Do contrário, vai morrer na Force India — isso se a Force India não morrer antes. Deem um carro na mão desse moleque, plmdds.

E como notas finais, dois pontos: a cena do grid com 18 carros é de cortar o coração; e Dona Sutileza, que falta cê fará…

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