Chespirito

CHaves

SÃO PAULO | Ei, você. Você que nunca contava com astúcia minha ou de quem quisesse, você que nunca pediu para que os bons te seguissem, você que nunca pediu palma e que não criasse cânico, você que nunca teve uma anteninha que detectasse uma presença de um inimigo, você que nunca suspeitou nada desde o princípio, você que nunca sentiu que seus movimentos são friamente calculados, vale a pergunta: você viveu?

Você nunca se sentiu tão herói e fraco quanto um Chapolin?

Mas você nunca viu que as outras pessoas não tinham paciência contigo? Você nunca fez nada sem querer querendo? Vai me dizer que você nunca quis ter uma bola quadrada ou não comeu aquele sanduíche de presunto com gosto tomando aquele suco de limão, que parece de groselha, com gosto de tamarindo… não?. Vai me dizer que você nunca fez ou falou nada disso, isso, isso, isso? Ai, que burro você é. Dê zero pra você mesmo.

OK, você marcou suas férias para o México e… nunca quis para Acapulco com tudo pago e com todas as despesas pagas? Ou pelo menos para Tangamandápio? Cara, você é jovem ainda. Não sabe que amanhã, ao menos, velho será?

Você viveu? Você existiu? Isso me dá coisas.

Entendo. Você talvez seja como a gente, esta gente que não sabe muito bem lidar com a morte. É que a gente não estava preparado para esta morte. A gente esperava essa morte porque essa morte já vinha sendo anunciada, mas todas as vezes eram meio que só estavam brincando. Tipo daquelas que o senhor não vai morrer. Vão matar o senhor. Precisaram matar o senhor pra gente acreditar que o senhor, Chespirito, tivesse morrido. O senhor estava morto várias vezes, e nesta vida de redes sociais, precisa se provar que o senhor morreu. O senhor morreu para quem acha que o senhor morreu. Mas não.

Sua morte, Chespirito, por exemplo, não vai nos fazer parar de ver Chaves amanhã, e depois de amanhã, e 2015, 2016, 2020, enquanto o SBT existir, enquanto uma emissora que se construiu em torno de um programa enlatado hecho en México de uns 20 e tantos minutos com uma pureza de humor que nunca mais alguém há de bolar resolver exibir esse programa. Quer ironia e humor maior do que você morrer, Chespirito, durante sua exibição por aqui? O senhor lá passando com todos os seus amigos, daí cortam a transmissão para falar que o senhor morreu? O senhor não morreu. Nunca vão matar o senhor. Ninguém nem o Quico.

A gente que entende um pouco mais desta coisa de vida e morte, passagem e outra vida, sabe que é só perder esta vida. A gente demora a assimilar sua grandeza. Entre Chaplin e Chapolin só tem uma letra de diferença; a genialidade em construir algo tão simples para arrancar um riso é idêntica. Vê só se estes humoristas todos aí conseguem fazer o mundo gargalhar sem uma apelação sequer. Nunca. E olha que todos eles se inspiram no senhor. Mas eles estão enganados. Extra, extra, muito mais que 13 pessoas enganadas.

A gente viveu a história e viveu sua história. E quando todas as gentes de vários credos, de várias idades e de várias emissoras se debruçam à genialidade de alguém que não é brasileiro com mucho orgulho, é porque estas gentes sentem esta morte e sabem o Chaves que cada uma delas carrega em si. Elas sentem que existe mucho amor.

Boa noite, meus amigos. Boa noite, vizinhança. Boa noite, Chespirito. Amanhã e depois, assim que eu assistir ao senhor nesta vila daí, zás, zás, zás, eu só vou chegar e apenas aplaudir, e vou dar risada, e vou assistir mais e mais, e zás, sem dizer adeus jamais.

Não se diz adeus a quem vai fazer sempre parte da vida.

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