Helio e a maior vitória

INDIANÁPOLIS | A vida tem dessas, de pôr as pessoas à prova. Se até outro dia Helio Castroneves lutava e sofria para se manter livre, eis que meses depois, neste domingo (24), obteve o máximo da glória que pode alcançar na carreira. Confirmando o favoritismo, pelo que fez nos treinos e pelas estatísticas, o brasileiro venceu as 500 Milhas de Indianápolis.

Helio aproveitou-se da briga entre Dan Wheldon e Danica Patrick no fim da prova para desgarrar e sobrar no oval de 2,5 milhas, subindo os alambrados do circuito pela terceira vez. É a coroação de um piloto que precisou vencer uma batalha judicial das mais ferozes até outro dia.

Townsend Bell foi a surpresa da corrida, levando a KV ao quarto lugar. Will Power, que chegou em determinado momento a ser a ameaça de Helio, ficou em quinto, numa corrida marcada por um gravíssimo acidente entre os brasileiros Vitor Meira e Raphael Matos.

A corrida começou após uma largada falsa, por conta da pressa de Helio, e durou uns dez segundos em bandeira verde. Porque Mario Moraes e Marco Andretti, dois dos pilotos mais jovens do grid, acharam-se logo na saída da primeira curva. Proporções devidas, a cena foi semelhante ao toque de Bia Figueiredo na sexta, pela corrida da Indy Lights. Como a piloto brasileira, o compatriota não viu e não foi avisado pelo spotter de que Marco estava na linha de cima. Moraes, tido como o azarão da Indy 500, arrastou-se no muro.

Marco era a desolação pura; a voz e o desabafo nem precisavam denunciar; Moraes, o nervosismo. A repórter da ESPN chegou e perguntou a Mario sobre o acidente. “Eu sei que o [número] 26 me acertou. O que ele disse? O que ele disse?”, respondeu, querendo saber sobre o desafeto daquele momento. A jornalista contou que Marco foi na base do “não tenho ideia”. “Ele me acertou. Estava na minha linha. Não sei de onde ele veio”, disse, gaguejando, nervoso e em passos largos. “Onde você vai agora?”, ela continuou, e ele respondeu: “Vou perguntar para ele”, em tom ameaçador.

E segundos depois, os dois, em seus respectivos boxes. Marco, desolado, olhando para o nada. E Mario, de óculos, escondendo o choro.

A relargada veio, e com ela a ascensão de Dario Franchitti à ponta da prova. Que demorou até a volta 19. No intervalo, outra bandeira amarela, causada pela batida de Ryan Hunter-Reay na curva 4 — e o impacto jogou o norte-americano da Vision do outro lado, no muro interno, e posteriormente aos pits — e a primeira parada coletiva nestes.

No primeiro quarto de prova, ficou visível que seis carros se destacavam dos demais naquelas condições: as Ganassi, as Penske, Tony Kanaan e Graham Rahal. Que deixou o grupo reduzido a cinco ao encher o muro no mesmo lugar de Hunter-Reay. Foi passar o retardatário John Andretti entre as curvas 3 e 4, usou a linha externa demais e restou-lhe a lamentação.

A segunda janela de pit-stops, ainda em amarela, manteve Briscoe em primeiro e pôs Dixon à frente de Franchitti, Kanaan e Castroneves, nesta ordem. Só que o ressurgir da verde viu um Briscoe lentíssimo. “Não sei o que aconteceu. Perdi toda a aderência”, logo o australiano falou para a equipe via rádio. Dixou pulou à ponta, enquanto Ryan voltava aos boxes. Problemas nos pneus.

Por conta das estratégias em banho-maria, com poucas ultrapassagens, as atenções começaram a se voltar para os “excluídos” do grupo da ponta. No caso, Raphael Matos. Sétimo no início da prova, beneficiou-se com o abandono de Rahal e com o contratempo de Briscoe e superou Castroneves para ficar na quarta colocação com o carro da Luczo Dragon. Pouca coisa mudou até o terceiro acidente do dia: Davey Hamilton deu no zicado muro da curva 4.

Terceira parada programada, e os mecânicos de Franchitti foram mais rápidos que os do companheiro Dixon. O escocês voltava à liderança, e nada de novo surgiu entre o “novo grupo dos 5”, que passava a contar em definitivo com Matos. Mas bastou o pano verde aparecer para que Dixon recomandasse as ações, por recomendação da Ganassi.

Antes que as 500 Milhas chegassem à metade, eis que o destino aprontava mais uma com Kanaan. Após mexer no botão do volante para um pequeno ajuste, sob controle absoluto do carro, eis que algo se quebrou na parte traseira. Tony foi jogado imediatamente ao muro já perto do fim da reta oposta. O impacto ainda o jogou na entrada da curva 3. Kanaan nada sofreu. Na verdade, Kanaan sofre com Indianápolis.

Então brotou um momento de companheirismo explícito. Via rádio, na volta seguinte à batida, Danica Patrick soltou: “Meu Deus, como é que o Tony está? Está tudo bem, está tudo bem?”, e a equipe acalmava a piloto, então na sexta posição.

Foi a deixa para a quarta parada nos pits. A dupla Dixon-Franchitti seguiu na frente, passando a comboiar Will Power, o até então apagado terceiro carro da Penske. E ainda a prova seguia uma procissão estratégica e calma interessante, mas por vezes monótona. Nem mesmo Briscoe apresentava uma evolução das mais expressivas. Na volta 131, por exemplo, quando a quinta amarela do domingo apareceu por conta do medroso Nelson Philippe — raspou no muro da 4 —, Ryan ainda era 16º.

Explicando o medroso Philippe: o francês admitiu por duas vezes que contorna com certo receio as curvas do circuito de Indianápolis.

Enfim, os pilotos voltaram aos pits, e Dixon permaneceu em primeiro. Só que a Ganassi derrubou Franchitti. A mangueira ficou presa, e o escocês foi para oitavo. Problemas também afetaram Vitor Meira, cujo carro viu-se flamejante após o etanol espirrar. O brasileiro jogou o volante e ameaçou sair; a equipe jogou água, o fogo se foi, o volante retornou a seu posto de origem, Meira voltou à corida, e o público o ovacionou.

Nisso tudo, Castroneves pulou para segundo, com Power em terceiro. Power, então fixo entre os primeiros, caiu para quarto e Paul Tracy, que até hoje tem entalada na garganta a “derrota” aqui em 2002, surgia na disputa.

Matos, que vinha tão bem, despencava para o 20º lugar.

As ações foram retomadas na volta 142, que já começava a delinear o que seria realmente da Indy 500. Por isso Castroneves partiu para cima de Franchitti e superou de pronto. Pouco mais atrás, Dan Wheldon e Townsend Bell puseram as manguinhas de seus carros de fora e subiram ao top-5. Briscoe, então, já se via em oitavo. E até um espantoso Mike Conway brotava, em décimo.

Power passou Dixon no giro 156 e fez a Penske, finalmente, ter dobradinha. E Will começou a virar constantemente mais rápido que Helio, encostando no brasileiro e o ameaçando. Quando uma possível briga pela ponta já levantava o público nas arquibancadas, eis que Justin Wilson, 20º, escapou na entrada da curva 1, rodou e bateu levemente no muro, mas o suficiente para minar suas chances.

Boxes abertos. A Penske trabalhou bem com Helio, devolvendo-o à ponta. Pessimamente com Power, no caso o mecânico da roda traseira direita, que voltou em sexto. E brilhantemente com Briscoe, que renascia na luta pela vitória, catapultado para a segunda colocação.

O top-5 continha, ainda, Wheldon, a ascendente Danica, e o bravo Bell. Dixon? Só em sétimo. Franchitti? Pior, nono. A Ganassi era carta fora.

As táticas passaram a girar em torno da necessidade de se fazer uma parada extra no fim da prova. Briscoe, certamente, sim — então a Penske não teria sido tão brilhante, assim; só pôs menos combustível; Danica perguntava à equipe se estava OK, e a AGR pedia que poupasse o etanol. As conversas pararam quando um fortíssimo acidente surgiu na volta 174. Envolveu dois brasileiros: Meira e Matos.

Na reta principal, Meira vinha com a trajetória interna e emparelhado com Matos na briga pela 17ª colocação. Raphael não aliviou no contorno da tangência e provocou o choque roda com roda. Vitor foi parar violentamente no muro a ponto do carro ficar em 90º, com o assoalho na parede, arrastando-se pela curva 1.

Matos, da Luczo Dragon, foi retirado do carro e precisou de amparo para ser levado à ambulância. Andando, acenou à plateia. Com Vitor a coisa foi mais difícil. Houve demora para que o brasiliense da Foyt fosse removido. Meira não ficou desacordado, mas reclamou de muitas dores nas costas aos fiscais. Foi levado ao Hospital Metodista para exames.

Faltando 20 passagens para o fim, ainda em bandeira amarela, a Penske chamou Briscoe para não correr riscos. Aí, matou as chances de seu piloto. Wheldon passou ao segundo posto, trazendo Danica e a torcida do povo americano.

Na relargada, Danica tentou passar Wheldon por fora, não conseguiu, ambos perderam tempo e, ali, qualquer oportunidade de algo melhor. Porque Helio abriu tanto que não teve nem graça o fim. Foi só observar pelo espelho os adversários de longe. Para então cair em prantos, finalmente, por uma razão mais do que especial. Para comemorar a vitória da vida.

Comentários

  • nao consegui entender nada entre o dialogo do Mario Moraes e Marco Andretti!
    Mas obrigado por detalhar a corrida ja que nao pude acompanhar pela tv.

  • Parabens pela cobertura, mt bom msm

    So descordo qnd vc se refere a batida entre o Rapha Matos e o Vitor Meira. Ficou parecendo q o Matos foi imprudente ou algo assim. Mas na verdade ja vimos varias vezes os pilotos dividindo as curvas e o Vitor Meira deu uma fechada terrivel no Raphael Matos. Talvez por ter calculado mal o espaco, nao ter olhado no retrovisor (afinal ele precisa olhar pra curva ali) e nao ter sido avisado.

  • Victor, em primeiro lugar, parabéns pela cobertura de todo o evento… Em alguns textos, parecia até que eu estava aí andando com você em Indianápolis (um dia eu vou de verdade, mas por enquanto…)
    E esse resumo da prova tá muito legal também! Eu confesso que não consegui assistir a corrida sem cochilar (da volta 50 até a 130, mais ou menos), mas foi por conta da transmissão…
    Então, só como sugestão: aumenta o espaço da Indy no Grande Premio! Ao que tudo indica a Band não tem muito interesse (me admiro não terem cortado a transmissão para passar futebol, como normalmente ocorre), o site deles não tem muita notícia e pelo que deu pra ver da transmissão, a organização do evento disponibiliza muito mais informação durante a corrida (equipes, pilotos, rádio, etc.) do que a F1 por exemplo.
    É pena que amanhã muita gente que diz gostar de automobilismo nem estará sabendo da Vitória (com V maiúsculo mesmo) do Hélio Castroneves… Nem que é a terceira em Indy, nem quem foram os outros pilotos na corrida… Nem que tem mulher andando na frente…

  • Parabéns pela cobertura.
    Melhor do que ver a História acontecer ao vivo e a cores é conseguir repassa-la aos demais de uma forma simples e casual.
    Sucesso e bom retorno!

  • Victor, belíssima cobertura.

    Seu texto foi muito feliz especialmente quando disse que ele vai ocmemorar a vitória da vida. Foi a maior reviravolta da hitória do esporte.

    Obrigado pela cobertura.

    Tomara que você cubra Indy 500 pelos próximos anos também.

    Forte abraço!

  • Sensacional a cobertura, a corrida foi fantastica, parabens ao Helio, sempre torci muito por ele !

    Agora, só um ato falho, não achei em lugar algum do site o resultado final da corrida (com todos os pilotos). rs… podiam colocar né!
    abraço!

  • Grande cobertura das 500 milhas, acompanhei desde o início e hoje entro para te dar os parabéns.

    Abraço,
    Adriano Lubisco

  • Parabéns pela cobertura!!.
    Grande premio sempre na frente…
    fikei a tarde toda vendo isso…e sempre atualizando aki!
    depois comento mais…
    valeu mesmo kra
    td d bao!

  • Sensacional…por tudo o que aconteceu nos últimos meses, foi impossível ficar parado na frente da TV nas últimas voltas. Foi emocionante demais. Parabéns pro Hélio.

  • Hora de pingar um comentário por aqui!

    Parabens pela cobertura da Indy, Victor!

    Acompanhei todos esses dias pelo seu blog e posso garantir que foi a melhor cobertura da imprensa. Deu de lavada no resto mesmo.

    Continue assim!
    Abraço

  • E tem gente que ainda não acredita em destino… Hélio passou pelo inferno nesses últimos meses, não sabia sequer se voltaria a correr. Vi imagens dele algemado!
    E aí vem as 500 milhas de Indianápolis, o melhor lugar para renascer, e vence, convence, renasce. Parabéns Hélio Castroneves!