I am (in) Indy, final

INDIANÁPOLIS _ À minha frente está uma asiática que provavelmente seja descendente de tailandeses ou malaios, mas ela fala um inglês bom, porque na hora de eu conectar a fonte do laptop na tomada, ela veio toda pimpona e saltitante me explicar que não estava funcionando. Não me lembro bem a frase que ela usou, mas ela não estava muito feliz com a economia de tomada feita pela administração do aeroporto, afinal onde já se viu não estar funcionando justamente aquela tomada que ela queria?, e ela se sentou do outro lado, e com uma blusinha e uma saia preta, seus mais de 40 anos, seu mouse óptico e seu óculos não muito moderno de grau, ela sorriu e continuou navegando na internet, acho eu, não fui bisbilhotar o computador da malaio-tailandesa.

Falta menos de uma hora para meu voo, se o caro leitor lê este texto às 18h39, horário local, e logo terei de levantar para ir à fila que me leva à primeira escala, a capital do país, e como sempre, faço um sumário desta jornada. Sempre bate aquela saudade acompanhada da tristeza de saber que provavelmente só no ano que vem estarei aqui, então vem à mente o jantar à base de risoto com shitake e batida de frutas vermelhas na casa do Benito Santos e da Dani Kososki, da ida ao outlet na cidade vizinha, da moça que me alertou para não me hospedar naquele hotel logo na primeira noite porque tinham apontado uma arma em sua cabeça, o que me deixou assustado num primeiro instante, mas depois me levou a pensar no que faria uma pessoa voltar a um lugar onde poderia ter sido morta, besteira, concluí, e nada me aconteceu no hotel, nenhuma arma, nada disso, muito embora aquele café da manhã fosse uma explosão estomacal.

E, claro, o IMS. O IMS não estava com as moças desnudas e oferecidas do ano passado, não parecia tão festivo, mas aquele lugar , um convite para um passeio na história, nas tradições e na reverência à importância que este povo aparentemente esquisito dá aos seus ídolos e mitos, ainda que estes não sejam iguais a eles. Indianápolis me dá a noção específica da tradução de um templo, e não seria exagero dizer que, se existissem as maravilhas do mundo do automobilismo, seria esta a primeira.

E em termos de cobertura, de respeito e de acesso, mais uma vez a lição mostra que a F1 é uma sandália velha para um pé mais do que cansado. Faltando pouco mais de uma hora para o começo da corrida, naquele domingo, estava lá eu no meio da pista, atravessando as filas que iam se formando para receber os 33 carros, e Jack Nicholson passava a meu lado, e se eu fosse um pouquinho mais cinéfilo ou apegado ao sistema, teria eu aplaudido Jack ou mesmo estendido a mão, mas todas as câmeras estavam lá para registrá-lo, e provavelmente a liberdade de ir e vir não seria tamanha. Mas ao menos eu, que devo ter ido ao cinema não mais do que 33 vezes em toda minha vida, já posso contar para os filhos que ainda não tenho que aquele sr. que me ensinou termos como ‘goosfraba’ passou a uns 5 metros de mim no principal centro automobilístico do planeta.

E no fim das contas, tudo vira história, e a gente tem de cuidar dela do mesmo modo que essa gente aqui cuida de Indianápolis. Só resta a gente viver e contar e se orgulhar de ter feito parte dela. E lá vou eu embarcar, a asiática também, e só agora vi que ela tirou da bolsa um passaporte, e nele está escrito ‘Canadá’, o que me leva a crer que tudo que contei lá no começo pode ser uma história furada.

Mas é história.

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