Reencontro com o sentimento

SÃO PAULO | Já passei um ano além do início da era balzaquiana, e se for fazer uma conta rápida, de cabeça, foram cinco vezes como esta. Eu tinha 12 quando descabacei com a vitória no Paulista de 93, Edmundo, Oscar Roberto Godoi, 4 a 0 no segundo jogo contra os coirmãos, Parmalat no peito e goela adentro e a fila que se acabava. A indústria leiteira me ajudou no ano seguinte, e em 1996 a montar o pojeto de um time histórico, que metia 6 no Santos na Vila e vencia 27 de 30 só perdendo uma pro Guarani. Aí no fim da década teve a Copa do Brasil, o passo para a conquista maior, e a sacada era meu palco para o grito pós-pênaltis, contra Marcelinho, contra o Cali, contra o mundo, e a gente ia para o Japão para jogar contra o Manchester, e o nosso santo falhava, mas santos falham, santos não são perfeitos, ninguém é perfeito, e Marcos seguiu sendo nosso guia.

Só que passamos um tempo sem guias, sem marajás, mas com Mustafás, que nos derrubaram, nos deram a derrota contra o Vitória, caímos, e eu estava no Rio quando caímos, 4 a 2, 4 a 3, sei lá quanto, o Vitória marcou 4, e eu numa casa de praia meio atônito sem entender muito bem o que era um rebaixamento, mas muito inclinado a atrelá-lo ao fim do mundo, ao fim da vida, ao fim do universo e tudo mais.

O dinheiro laticínio comandado por Brunoro era uma exceção na nossa vida. Dizem por aí que para os coirmãos sem taxas é mais difícil. Vai nessa. Não fosse a tal bufunfa, a fila seria de mais de três décadas e meia. É um período que só os coirmãos lusitanos aguentam – mas como eles se contentam com títulos de séries menores, e isso não é demérito, a nossa fila seria maior. Em 2003, na real, não tinha como não subirmos com o Botafogo, e aos trancos, barrancos e solavancos, a gente foi sobrevivendo. O pofexô voltou em 2008 e nos deu um Paulista, um engodo destes que agradam algumas poucas vozes, vórtices, vorazes, viadas em suas metas e pretensões. Com Muricy, em 2010, a vida voltou a ter sentido. Faltavam cinco rodadas para o fim, e o caminho para o título parecia claro. A decepção por não ir sequer à Libertadores era o nabo geneticamente modificado e aumentado que mostrava o que tinha sido para nós tudo aquilo: a década perdida.

E nem Belluzzo, renomado, economista, centrado, caralho a quatro, deu jeito naquela zona dividida entre o poder e o poder. Situação e oposição se debruçam no jeito italiano de comandar a coisa, e num mandato bienal de troca de presidentes, quem entra se preocupa em consertar as cagadas anteriores. Tirone é esta marionete aí de Mustafá, que peida na farofa, que diz e desdiz, que baixa a crista pelas costas como a calopsita que há 17 anos canta aqui em casa quando me vê. Felipão, o técnico do fim dos anos 90, voltou, e numa boa, era a nossa última esperança de evitar a formação do Portumeiras, a aliança das colônias com nossos amigos patrícios do Canindé.

Nós fomos vistos com extrema comiseração nos últimos tempos, e nada pior que ter a simpatia dos rivais para ganhar um título para exprimir tudo isso. As coirmãs do Jd. Leonor, até mesmo os coirmãos recém-premiados com a conquista sul-americana, os da baixada e tal, todos nos viam com aquele olhar de pena, de quem estava na seca, sem trepar, gozando com o pau alheio na torcida contra. Felipão foi aturando as críticas e levando consigo um grupo de jogadores com limitações evidentes, andorinhas que mal fariam primavera, nunca verão, diriam os adversários sobre títulos e finais.

Mas aí a Copa do Brasil era a cara de Felipão, sempre foi, e Coruripe, sei lá que times mais, não seriam capazes de barrá-lo, nem mesmo estas andorinhas que teriam quero-queros a destruir país acima e abaixo. E quando chegou lá embaixo no Sul, na semifinal, confesso, era impossível passar do Grêmio. Não porque ali do lado estava o time do novo pojeto do velho pofexô, mas porque éramos nós os fracos, os oprimidos. E no dia da primeira final, calhou de ser o dia do jogo da Dinamarca na Eurocopa, contra Portugal, aquele sofrimento e tal. Ali, naquele dia, eu percebi que já não era mais tão alviverde. Eu era alvirrubro, num provável duelo entre estas minhas equipes. E eu falei isso pra todo mundo, e é verdade. Eu sofri mais pela Dinamarca porque eu não esperava nada do grupo de Felipão, e aí a gente vai lá e mete 2 a 0 com este lindo deste Barcos e o mais maravilhoso negro da história da humanidade capaz de bater faltas com o pé direito, Marcos Assunção.

Passamos pelo Grêmio e caímos com o Coritiba, que havia rifado de nossa fuça as coirmãs que já amargam uma filinha considerável, o Coritiba do 6 a 0 do ano anterior que nos matou mais um sonho. Então, parecia ser difícil passar pelo grupo do bom técnico Marcelo Oliveira, até porque havia ali um gostinho de vingancinha que poderia fazer mal. Mas como pouca coisa já agrada, chegar a uma final após tantos anos já me fez reacender um lado que estava encostado perto do apêndice. O primeiro jogo aqui, definido pelo sorteio, era um ponto a favor – essa história de definir em casa é perfumaria. O negócio é fazer o resultado na primeira para garantir a retranca na segunda.

E no jogo primeiro, aquele desempenho do Palmeiras foi sofrível. O Coritiba se perdeu ali. O Coritiba perdeu ali. As tantas chances que desperdiçou eram o indício de que, sim, era possível. O pênalti, discutível ou não, abriu a chance. O pé de Assunção permitiu que Thiago Heleno, longe de ser um Clebão ou Antônio Carlos, cabeceasse para abrir dois gols de diferença. Mas os dois pés esquerdos de Maikon Leite que não converteram o terceiro gol no fim do jogo na mística de Barueri delineavam que a vida nos seria difícil.

Para quem vê o time sempre na ótica do copo meio vazio, a semana foi complicada, Era no mínimo ir para os pênaltis, até porque o retrospecto contra o Coritiba na própria competição indicava tal diferença. Mas uma hora pesa. A nossa camisa era mais verde, e por mais que zicas como apendicites, expulsões, contusões e febres ebulissem, a nossa camisa era mais. Era muito mais. Algumas chances vieram no primeiro tempo de horas atrás, e parecia que o filme de Barueri seria revisto. O empate em zero permaneceu, recuamos no segundo tempo, e veio o gol deles. Fodeu. Fodeu em verde e branco.

Mas vai saber o que acontece. 2012 tem sido absurdamente estranho, e talvez seja isso que explica que um time tão limítrofe, zicado e cheio de problemas por conta desta direção mal gerida chegasse rapidamente ao empate. Nos pés dele, na cabeça de outro. Betinho. Betinho, quem é Betinho? Betinho é a expressão da nulidade para um time que teoricamente é grande e precisa de um atacante. Betinho havia perdido um gol que até eu, de cócoras, talvez faria na parte anterior do jogo. Betinho, casquinha na bola, canto esquerdo do gol. Gol. Título. Ali era título, não tinha como. Cerveja aberta, Twitter aberto, mercado não estava aberto, não tinha tanta cerveja assim, é campeão, é campeão sóbrio, é campeão, e vamos gritar é campeão finalmente.

Apito que dá o fim, a lágrima que teima não cair, a cerveja que se acha na geladeira, ali no fim da geladeira, a geladeira que curiosamente não acendeu sua luz. A luz que se acendeu, a cerveja que desce gelada, 13 anos, 13 longos anos esperando este momento, a janela aberta, o grito, a calopsita que pia ao ouvir o grito, os jogadores que se emocionam, estrupiados, o santo que nos deu tantos títulos querendo beber até a água do Tietê, e eu abrindo outra cerveja, e os fogos e tudo voltando à mente, 1999, a mesma sacada, o mesmo sentimento, a mesma alegria, a ligação para o amigo Fabio Chiorino, as risadas e os absurdos ditos, caralho, é campeão, é campeão.

13 anos depois, é campeão. A lágrima caiu, veio a segunda, é campeão, a terceira, e mais, e o sorriso desbragado que vem é da felicidade de saber que, sim, aquele sentimento existe, ainda existe, só estava guardado, e eu achei que o tinha perdido pra sempre. Eu achei meu Palmeiras de volta. Achei meu Palmeiras. Meu Palmeiras. O meu bem querer.

Comentários

  • Comemore. Agradeça ao Felipao. O Palmeiras estava no caminho de virar a proxima Portuguesa…pensando bem, nem tanto. É maior que a Portuguesa.

  • Victor, seu texto expressa o que muitos palmeirenses sentiram. Torço pra Juventus de Turim, e quando ela caiu o Calcio em maio eu pensei se aquela sensação, aquele envolvimento, já não era maior que o meu sentimento pelo Palmeiras. Precisei de dois meses para descobrir que não. E chorei, e bebi, e gritei. É campeão. É campeão. Parabéns, foi o melhor relato sobre o fim da fila.

  • Cara quase choro, eu estava engasgado torcer para o Verdão é angustiante einspirador ao mesmo tempo, lembra o nosso país gerido por idiotas corruptos e ainda sim da frutos.

  • Nossa, o melhor texto que li sobre a nossa conquista. Muito bom!! Eu também vinha sentindo essa sensação de perca sobre meu sentimento pelo Palmeiras. Mas é como você disse, ele estava somente escondido. Ainda não caiu a ficha. Que este título seja sinônimo da paz que o Palmeiras precisa para não deixar nossa paixão se esconder novamente.

  • Porra, o blog é do cara e ele fala do que ele quiser cacete!!
    Faz o seguinte VM, no próximo post coloque uma receita de bolo pra satisfazer as gazelas…rs
    Não sou palmeirista, estou muito longe disso, mas ver um torcedor escrever sobre o orgulho do seu time, ainda mais sabendo escrever, é muito bonito.
    É o que me move diante das cachoeiras desse mundo.
    As soberanas são foda, não sabem perder…

  • Quem diria, hein… Copa do Brasil: De patinho feio a galinha dos ovos de ouro. Vamos ver se a Sulamericana sofrerá a mesma mutação.
    À parte isso, parabéns pelas palavras. Todas muito bem escolhidas.

  • “Eu achei meu Palmeiras de volta. Achei meu Palmeiras. Meu Palmeiras. O meu bem querer.”

    EU TAMBÉM ACHEI O MEU PALMEIRAS DE VOLTA! AQUELE QUE O MEU AVÔ ME ENSINOU A TORCER DESDE 1979!

    E ontem eu me lembrei dele como eu sempre lembro… e chorei…

    ORGULHO DE SER PALMEIRENSE!

  • Torcida que agora pode vibrar e cantar em voz alta!

    Confesso que já esperava por uma bela leitura, de um texto seu hoje.

    PALMEIRAS CAMPEÃO CAZZO!

  • volte a falar de automobilismo, este aqui é um blog de automobilismo e não de outros assuntos, um reles diário virtual.

    pelamor. Parabéns aos alviverdes, irmãos de sofrimento nos anos 90 contra o time da Azenha. Merecido o título e o texto.

  • Tirando as referências pouco elogiosas e aleivosas ao meu time, lindo texto, Victor. Abs

    PS: vai por mim, nem todos os são-paulinos são malas e arrogantes (rs)

  • Este é um blog de automobilismo e eu gostaria que o tema dele continuasse a ser abordado. É lamentável ver um jornalista escrever de tal forma sobre um tema. Compre um diário, meu caro.

  • Títulos de clubes paulistas na Copa do Brasil

    – Corinthians (1995/2002/2009)
    – Palmeiras (1998/2012)
    – Santos (2010)
    – Santo André (2004)
    – Jundiaí (2005)

    Sentiu a falta de alguém??? eu não…

    Títulos nacionais conquistados por clubes paulistas nos últimos 4 anos
    – Corinthians (Copa do Brasil 2009 e Brasileiro 2011)
    – Santos (Copa do Brasil 2010)
    – Palmeiras (Copa do Brasil 2012)
    – Portuguesa (Série B do Brasileiro 2011)

    Novamente, sentiu falta de alguém??? eu também não…

  • Vitor, meus parabéns, me emociono ainda pelo o que sentimos ontem, uma noite perfeita, com a máscara caindo do tal clube invicto da américa numa defesa perdida pouco antes de um time desacreditado e um treinador questionado por todos ao redor do mundo mostrou que, transparência/humildade/determinação, transformam qualquer situação, qualquer!

    Fora corja de marionetes do clube, gosto amargo na boca de medíocres, vocês tentaram acabar com a “famiglia Scolari” e nunca conseguirão, jamais conseguirão!

    AVANTI PALESTRA!

  • Victor, antes de agradecer ao Felipão, Valdívia, Marcos Assunção e outros, todo palmeirense deve rezar para que a Kia (que precisava ver ser patrocinado vencendo o torneio patrocinado por ela mesma), CBF (que escalou um juiz caseiro de segunda linha para apitar o necessário no primeiro jogo) e as redes de TV (que obviamente preferem ver na Libertadores um time sediado no principal mercado consumidor do país) continuem com saúde e prosperando. Parabéns pelo título.

  • Muito bom! Acho que essas coisas passaram pela cabeça de todos os palmeirenses ontem. Como é bom comemorar um título! Como é bom gritar É CAMPEÃO, PORRA!

    ps.: só duas observações: o pênalti do Marcelinho foi em 2000 e o ano que perdemos o brasileirão no final foi 2009, não 2010.

    Valeeeu! PORCO!!!

  • bonito texto, que me fez lembrar o sentimento que todos nós, vascaínos, a sentimos no ano passado contra o mesmo curitiba. saímos finalmente da fila e voltamos a ser aquilo que nunca deveríamos ter deixado de ser.. time grande.

  • Belo texto.
    Como meu São Paulo está uma merda sem tamanho, vejam se, pelo menos (caso ocorra o encontro) eliminem os coirmãos na Libertadores ano que vem, como foi em 2000…
    Parabéns, título extremamente merecido.

    • Para os torcedores desse timeco de bambis, so resta secar o TIMÃO. Como pensa pequeno, bem que poderia torcer por uma vaga na mais importante competição continental ano que vem.

      Parabéns pelo texto!

  • “Em 1996 a montar o projeto de um time histórico (…) SÓ PERDENDO UMA PRO GUARANI” (grifo nosso). Sem mais perguntas, Excelëncia.

    • Guarani, o único campeão do interior do Brasil. Treinado, a época, pelo Carlos Alberto Silva. E, inegavelmente, a pedra no sapato dos Turiassuenses :)

  • Me emocionei muito lendo todo esse texto! Parabéns, é o que todo Palmeirense gostaria de dizer nessa hora! Somos CAMPEÕES!

  • Texto impecável. Não precisa revisar coisa nenhuma. Acho que você conseguiu descrever com perfeição o sentimento de muitos palmeirenses esta noite. Parabéns!

  • Parabéns cara,texto maravilhoso,fui lendo e revivendo tudo isso,passei tb por tudo isso e no fim do texto chorei cara,mas chorei de alegria, vc conseguiu expressar o sentimento do torcedor palmeirense,valeu!!!