Polis de Indiana, 10

INDIANÁPOLIS | Pouca coisa mudou no Speedway desde que vim pela última vez. Até a posição na sala de imprensa é a mesma: segunda fileira de quem vem do elevador, bem próximo de onde fica o escritório da assessoria de imprensa da categoria, de fronte para o espaço improvisado para entrevistas, raramente usado. À esquerda, ficam cinco relógios que mostram os horários de Tóquio, Londres, Nova York e Los Angeles, além do local; ao lado, na parede, há a maior inutilidade dos tempos de hoje: as três fileiras horizontais em que é colocado o grid da Indy 500 em cartolinas com o nome, as quatro voltas do sujeito e o tempo total. Pior que, de vez em quando, dois dos caras da assessoria ficam mudando o grid em tempo real.

Botemos na conta unicamente da tradição. Embora tenha um ou dois velhinhos que venham consultar as informações. Ah, detalhe: as escritas usam as cores do carro e até mesmo tentam imitar o patrocinador. Tradição pura.

Mas uma coisa é outra: o lugar para o estacionamento da mídia. Todo ano, os jornalistas são jogados para mais longe. Desta vez, o pessoal entra pela Georgetown, no portão 7, e é aconselhado a pegar parte do miolo da pista de Indianápolis e ir estacionar num gramado visível para quem acompanhou a corrida pela televisão, na reta oposta. Com as chuvas dos últimos dias, o mato deu lugar à lama. Descobri isso hoje.

Porque tinha tentado escapulir para ficar mais viável, num esforço para não fazer a mademoiselle Evelyn Guimarães andar tanto. A tarefa ficava mais difícil com o Abacartão, o carro verde cor da fruta que alugamos. Para onde se olha, é fácil achá-lo.

Dribles aqui e ali, eis que cheguei ao estacionamento onde a mídia de TV para. Achei um lugarzinho belezinha, estacionei, outros dribles cá e acolá, trabalho dominical que começa.

Deu umas 11 da manhã, descemos para beliscar o almoço — a fome estava voraz —, e o pessoal ofereceu massas. Lasagna, fetuccini e spaghetti, como estava lá. 11h da manhã, mandamos ver, tava ótimo, legal, olhei pela vidraça, Abacartão havia sumido.

Não esquentei muito. A Andrea Leite, RP da IndyCar e conhecedora de cada palmo de Indianápolis, passou pela mesma situação. “Eles rebocam o carro e levam para outro lugar”. Tive de ir atrás de seus conhecimentos especiais para saber onde achar a solução. “Eu vou precisar te levar”, ela disse. Diante do meu espanto, ela explicou: “Os amarelinhos fazem de propósito. É tipo uma lição”.

Acompanhei a Dea até o local onde estava seu carro — o correto, onde deveria estar o dessa gente de bem. Fomos pela reta do miolo, caminhamos em direção ao meio das curvas 3 e 4, passamos pelo corredor debaixo da pista, viramos à esquerda, fomos reto, nunca que chega, curva aqui e ali, chegamos. “Eu tinha achado o meu aqui perto”, ela falou, apontando mais à frente.

Mais alguns metros, eis que surge Abacartão.

Tava lá me esperando, embora não solitário; havia três ou quatro carros ali perto, e o tiozinho ali perto controlando a saída do pessoal para a Georgetown, muito além de onde entramos. Um abraço cálido para um carro que já estava cozinhando sob o sol que passou a não enganar de tarde, e trouxe de volta para a civilização.

Faltava contar à Evelyn.

Combinei com a Dea que a história terminaria com a cassação da minha licença para dirigir, multa de US$ 1.500 e, diante da minha falência e preocupação, voltaria para o Brasil. Depois de parar Abacartão onde se deve, chegamos contendo o riso para a triste notícia. Evelyn não estava, mas logo apareceu. Fechei a cara, dei ar de seriedade ao negócio, contei a notícia e dei a terrível informação bombástica: “Eu fugi de lá sem pagar e, se os caras pegarem, posso ser preso”.

Evelyn duvidou um pouco, mas nós, atores, sabemos manter a farsa. “Por que você faz isso? Por quê?”, perguntou insistentemente. “É maior do que eu, Evelyn”, respondi, baixando a cabeça. “E se eles te pegarem? Eu não vou levar nada na cadeia pra você”.

Ainda incrédula, Evelyn esperou eu sair uns minutos para perguntar para Dea. Parceira, confirmou tudo. Quando voltei, vi a cara da indignação na companheira Suprema. Ameaçou dar um sermão, mas parou quando revelei que havia dado o nome dela como minha esposa e que os caras iriam atrás dela também.

Passam das 20h45 aqui em Indianápolis, e a Evelyn até agora teme não dormir no conforto do Moquif Inn assim que deixarmos a sala de imprensa e partirmos com o Abacartão para a saída do Speedway.

O momento do reencontro com Abacartão
O momento do reencontro com Abacartão

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