O legado além da Copa

Brasil

SÃO PAULO | Os 7 a 1 da Alemanha ainda ecoam, já nem tanto pelo resultado em si, mas pela inoperância e pela corroboração da falência do futebol brasileiro. Na discussão da necessidade pronta de renovação esbarra a presença dos dirigentes e comandantes que lutam contra e destilam toda sua incapacidade de gerenciamento e, muito além, de pensamento. Assim gerados como que por genética, Marins e Del Neros têm descendentes similares e irmãos siameses que se reproduzem no estilo bipartição, e o pensamento da mediocridade se alastra e afasta o planejamento e os projetos bem fundamentados a médio e longo prazo em detrimento do passado de glórias e incentivos em brios para a colheita de resultados imediatistas, algo que se vê aos montes em Felipões, Parreiras e Murtosas.

Acompanhei há pouco um trecho da opinião de Paulo Calçade no ‘Linha de Passe’, da ESPN, ontem à noite. O jornalista, que apresentou um programa que trata a respeito do esporte e sua base, ‘Segredos do Esporte, falou que o modelo de futebol é quem foi goleado porque aqui não se aceita conhecimento pela grande pobreza intelectual do meio, que a concepção do jogo está completamente equivocada e que há uma defasagem de 50 ou 60 anos – o trecho na íntegra está aqui. E essa conclusão é totalmente aceitável para a realidade da grande maioria dos esportes brasileiros, incluindo o automobilismo, que aqui vive em estado de falência e só sobrevive graças a ações de dois ou três grupos particulares que, bem ou mal, investem e insistem no negócio.

Acabando a Copa, os holofotes vão se focar na Olimpíada, e as várias petições de miséria virão à tona. O ministro do Esporte que outrora defendia tudo que era feito em torno da competição que se encerra no próximo domingo como um Navas ou Ochoa hoje resolveu ser um falso 9 em prol da limpeza. E assim será com o pétreo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, que se esconde atrás de seus tiques e erres trocados por gês.

Mas a embasadíssima opinião de Calçade acaba levando a uma reflexão muito mais ampla, que sai da esfera esportiva. Em um primeiro momento, traz a questão também para o lado de quem informa. Porque não deixa de ser uma crítica ao modo como o jornalismo é feito e conduzido por aqui. Grande parte da imprensa brasileira é completamente entrelaçada e submissa aos interesses da Seleção, e isso é claramente visto pelo leigo quando as várias coletivas de imprensa são transmitidas ao público com os repórteres iniciando as suas questões brandas com apelidos para demonstrar proximidade ao objeto de seu trabalho, depoimentos pessoais, afagos explícitos e opiniões que nada acrescentam ou mesmo importam. O estilo broderagem prospera e vai encontrando adeptos por ordens e/ou porque os profissionais são despreparados ou pouco capacitados a exercer a função. E o resultado final, informar, acaba distorcido.

Por este prisma, será que nós, jornalistas, conhecemos a fundo o que falamos? Se agora as vozes são praticamente uníssonas em criticar e apontar que o futebol brasileiro é arcaico e primitivo – porque o jornalismo também tem dessa: a mudança de postura conforme a conveniência, tipo a do ministro –, nosso jornalismo, como um todo, também não está interligado e atrasado da mesma forma tanto quanto o futebol, comandado pelas mesmas cabeças e feudos? É uma discussão que há de tempos em tempos quando vemos publicações preocupadas em estampar passos e modelitos de subcelebridades em praias ou aeroportos, ou até mesmo jornalistas tidos como especiais entrevistam sósias, estampando seu desconhecimento e, por consequência, de quem recebe o texto e o publica.

Isso também acontece porque o jornalismo, como fim, reflete o desejo e consumo do leitor/espectador, que, como diz o amigo e colega José Antônio Lima, só pensa no resultado. E vira um dilema de Tostines: faz-se um jornalismo preocupado com cliques e números de audiência porque é isso que se quer ou quem quer só consome esse jornalismo porque é o que tem? Um ou outro, reflete nossa postura intelectual. E que, voltando ao futebol, reflete uma outra camada mesclada a tudo isso.

O que os estádios e as reações aos resultados apresentaram dessas gentes é uma tremenda ausência de educação, e não aquela que se aprende nas escolas e faculdades, mas a de princípios. Da ofensa à presidente Dilma à queima da bandeira por conta da derrota; do cara que dá um soco em seu rival e o faz ficar surdo àquele que destrói bares e outros estabelecimentos. Despolitizado e maniqueísta entre o bem e o mal extremo, o povo que forma opinião sem pensar – e até denota falta de personalidade e caráter ao ir no embalo do outro – achou na violência moral e física a resposta. E incluindo o jornalismo na questão, esse pessoal encontrou baluartes que plantaram essa semente – plantaram porque é isso que pensam ou para agradar quem pensa e ‘crescer’ em cima disso? O caminho escolhido por essas gentes carrega os mesmos genes dos Marins e Del Neros: a solução tem de ser momentânea, custe o que custar, e o pensamento passa ao largo.

A derrota do Brasil não é só uma verificação de imprescindibilidade de renovação no futebol, bem como de profundas reflexões e discussões seguidas de iguais alterações no nosso comportamento como profissionais e, sobretudo, como pessoas. Aqueles 90 minutos de 8 de julho são uma explícita metáfora da sociedade brasileira que o mundo todo acompanhou. Sem a necessária evolução, iremos todos sucumbir como naqueles 6 de pane ou apagão, como definiram, e para esta, ninguém vai ter uma postura germânica o suficiente para pedir desculpas.

A linda Copa do Mundo nas nossas terras, no fim das contas, ensina um legado que transcende sua existência.

Comentários

  • Caro Victor, o placar aqui discutido reflete a realidade brasileira nas mais diversas áreas. Sinceramente, acho que este povo não merece mais ficar confinado à sua própria ignorância. Então, precisamos de NOVOS TÉCNICOS atuando na saúde, educação, transportes, planejamento, etc., etc…

  • Boa Victor.

    A situação do futebol hoje é reflexo do que já vinha ocorrendo desde o comecinho dos anos 2000.

    Assim como no automobilismo, enquanto existiam Sennas, Piquets e Fittipaldis ganhando somente na F1, o que se acreditava era que estávamos vivendo um ‘sucesso absoluto’.
    No futebol entre 1994 e 2014, isto é, 5 copas e 3 finais, aparentemente o Brasil era “absoluto”. Porém, só pra lembrar, já em 2006, o fator renovação já começava a dar as cartas, pois a seleção era a mais velha naquela ocasião.

    Não adiantaria nem Dunga, Felipão, Leão, Candinho, Guardiola, Van Gaal e nem Pelé pra fazer uma seleção digna das quais acompanhávamos ao longo da “época de ouro”.

    Não entenda mal, mas o estilo sucateado de gerenciar o futebol brasileiro de anos atrás somado com a não existência da Lei Pelé, gerava uma infinidade de excelentes jogadores. Se hoje, 95% dos jogadores brasileiros ganham menos de 1 salário mínimo, hoje a situação é a mesma. Isso porque muitos clubes fecharam as portas devido de uma das maiores “tentativas de organizar mais desorganizadas do mundo”. Um campeonato brasileiro da Serie A com 20 clubes não pode funcionar num país como o Brasil.

    A filosofia ditatorial da CBF, nunca realmente funcionou. Na verdade, a independência de alguns grupos é que tornavam o ‘negócio futebol’ um sucesso.

    Moro em Recife a mais de 20 anos, e vivi a mudança por aqui. As categorias de base, que outrora eram transmitidas pelo rádio, e noticiadas na TV, agora, essas categorias “sub-alguma coisa”, se deixarem de existir, ninguém vai notar.

    Sobre a imprensa, que cada vez é mais invasiva, embarca na onda do “eu já sabia” e no “fod…-se você”, colhe os frutos desse jornalismo 100% online e de 100 caracteres.

    Mesmo reconhecendo os erros do Felipão, não dá pra culpá-lo 100% de tudo. Usou de soberba e “já ganhou”, com certeza. Esse talvez o maior dos erros. Porém, nem se o Papa Francisco fosse treinador do Brasil, iria manter o seu saco virgem vazio.

    Não vou me alongar demais, porque o assunto é loooongo.

    abraço

  • O pior nem são os 7×1, qualquer time está sujeito a um dia tomar uma goleada dessas, felizmente ou infelizmente é parte do esporte. O duro mesmo, é que NADA vai mudar, nem que o Brasil perdesse de 27 x 0. E por favor me convençam de que estou errado.

  • O povo brasileiro sempre reclama da situação que se encontra. E quando fica ciente do caminho necessário para evoluir, prefere continuar inerte. É um povo que não se importa com a realidade porque acha que existe, no seu “jeitinho”, uma solução para qualquer problema.

  • ARGENTINA 2 X 1 sem choro e sem dançinha dos chorões;;;

    VIVA ARGENTINA..
    AO dancarinos chorões, mil desculpas..mas em 2018 Los Hermanos serão tetra..
    blesil..pinico das américas..kkkkkkkkkkkkkk

  • Aconteceu a mesma discussao logo apos as Olimpiadas de Londres, justamente no Caminhos do Esporte. Esta acontecendo agora, novamente, so que no Linha de Passe, mas se falando sobre o futebol (sim, sou fa da ESPN Brasil, rs). Vai acontecer a mesma discussao quando as Olimpiadas do RJ terminarem e veremos o quadro de medalhas com certo ar de decepcao, pelo Brasil, e inveja dos outros paises posicionados logo acima. Varios alertas ja aconteceram, tanto para o futebol quanto para os espotes amadores, e sempre os dirigentes esperam a poeira baixar pra continuar no mesmo marasco. To comecando a me cansar desse looping “espectativa-decepcao-cobranca-nada acontece”. Espero estar enganado, dessa vez, nessa oportunidade que o 7×1 estar nos dando.

  • “Futebol de resultado”, misturado com jornalismo de resultado, bom diagnóstico, no Brasil tudo é “de resultado”, e não se chega a lugar nenhum, faltou dizer que o governo se mistura com tudo isso, quando não causa. Governo de resultados, só que não. Ótimo texto, devemos refletir muito sobre tudo isso mesmo.

  • Ótimo texto. Infelizmente, não é apenas no futebol que os dirigentes brasileiros agem desta forma. Sejam políticos, empresários, produtores do agronegócio, reitores universitários ou a chefia imediata numa hierarquia de trabalho, em geral na mente dos dirigentes brasileiros, tudo está sob controle numa imaginária trajetória progressista à glória latente dos projetos sempiternos das instituições: se algo destoa deste diagnóstico, prontamente é negado. Se for flagrante, é tido como acidente isolado, circunstancial ou se encontra uma perversa causa externa. No fim, arranja-se um bode expiatório interno, atrelado à falta de vontade ou de preparo, é promovida uma caça às bruxas e tudo volta à “ordem e progresso” habituais.